22 de mar. de 2011

«eu sei»

esta noite sonhei que estávamos sentados num sofá, rodeados de gente. estava a combinar-se uma odisseia qualquer, e alguém ia dissertando sobre os perigos, mas eram obstáculos símbólicos, entendi pouco da conversa, era em ti que estava concentrada. estávamos separados por uma espécie de tela pousada contra as costas do sofá, pelo que tinha que espreitar por trás da tela para ouvir o que dizias. a dada altura, puseste-me a rir e desviei o olhar da tela para o grupo, composto por rostos turvos, desconhecidos, num contexto de supostos amigos. deixava a mão apoiada na tela, por dentro e a tua, ligeira, ia encostar-se nela. devo ter ficado tão comovida que fui procurar, com a minha mão, abrigo na tua. a tua recebeu-me, enquanto conversas paralelas se desenrolavam à volta. apertámos as mãos, entrelaçámos os dedos, passei os meus pela palma da tua mão, sorri por dentro. a dada altura fizeste-me sinal para que voltasse atrás da tela, para me dizeres qualquer coisa. não me lembro do que disseste, só sei que sorrias. e eu, séria, perguntei-me se tudo aquilo seria o prenúncio de outra queda e, receosa, senti os olhos encherem-se de lágrimas e apertei os lábios. não conseguia sorrir-te também, tinha tanto medo... e o teu olhar parecia aperceber-se de cada pensamento que me cruzava a mente, e tu continuavas a sorrir. e eu punha-me a repetir mentalmente, como se pudesses ouvir, mas não querendo dizer-to por palavras - «amo-te, amo-te, amo-te», e o teu sorriso suavizava. eu desviava novamente o rosto de trás da tela para o grupo, que mal via, e sentia que introduzias um papel por entre os meus dedos, presos na tua mão. quando o abria, com os dedos trémulos, lia somente duas palavras rabiscadas: «eu sei».

11 de mar. de 2011

b&f

Eu por entre folhas que esvoaçam, a minha letra gravada nelas. Abro o meu diário e encontro tudo o que fui, consigo que coincida com aquilo que sou. Tu inscrito em cada página, ou amarguras, ou notícias, ou marcos da vida que me tem passado por entre os dedos. A consciência do tempo esmaga-me. Ainda há tanto que quero ser, e tanto que quero ver… e há tanta beleza no mundo, e tanta expectativa e, se olharmos com atenção, está tudo a desmoronar-se, e nós sem consciência disso. Continuo a achar que o mais belo romance que alguma vez conhecerei é aquele que escrevo ocasionalmente, quando a desilusão ou a alegria momentânea, ilusória, me arrasta para as linhas que vou registando. Não consigo viver mais de altos e baixos, desconfio. Há qualquer coisa cá dentro que dói, e a dor é constante, receio que seja crónica. O problema maior é quando a minha imaginação, tão fértil como a região oeste deste país, encontra bloqueios, paredes negras. Crio ambientes na cabeça, crio vidas que não viverei para viver. Escrevi poesia, escrevi prosa, encontro-me em cada quadra, em cada parágrafo, e volto a sentir a esperança que sentia na altura, a dor que me atormentava na época. E compreendo que já aguentei muito, já fui feliz, e se mais estiver para vir? Não aguento mais altos e baixos, não sei viver de esperas, os sonhos estão a deixar de bastar. Estendi a mão e vi-os esfumarem-se, e eu sou de carne e osso, concreta, sólida, vivo de dedos, lábios, olhos e visão, vivo de rosto, que se enruga, se indigna, envelhece de hora a hora. Não estraguem a minha poesia, por favor, quando perder a escrita perco tudo, quando perder a beleza que me esforço tanto para encontrar debaixo das pedras dos destroços do mundo que piso, perderei tudo. É por isso que peço, destruam-me os sonhos, porque eu consigo renová-los, mas não destruam a beleza, uma vez esborratada, torna-se ferida aberta, torna-se recanto onde não quero voltar, sítio para esquecer, buraco onde me fui enterrar. Não me estragues a beleza, porque vivo dela, da simplicidade básica do belo e do feio, o feio é mau, o belo tenho-o feito bom. E a beleza é relativa, e eu consigo construí-la, mas o feio é tão absoluto, que nem eu consigo cobri-lo de ouro e chamá-lo bonito. Não pintes de feio aquelas ruas, por favor, são do mais belo que guardo em mim.

8 de mar. de 2011

meios e fins

não consigo concebe-lo de outra maneira. tem que valer a pena morrer-se por. tem que ser possível fechar-se os olhos e deixar-se cair para tras com a certeza absoluta, sem sombra de dúvida, que o outro vai estender a mão para nos poupar à queda. apesar dos desejos de estabilidade, tem que ter uma pitada de poesia, de dramatismo, da fome desesperada de quem teme as desgraças, os finais, para ser intenso. tem que se ter medo de perder, diariamente, e ainda que esse medo nunca desvaneça, tem que se disfarçar, para que a vida do outro tenha paz, enquanto calamos os infernos do medo para nós, a cada despedida matinal, e ainda os ciúmes, enquanto perdoamos as pequenas faltas de atenção, as insensibilidades. tem que ter algo de suave, da suavidade dos irmãos e amigos, e algo de violento, de exigente, de insaciável, que obrigue a lutar-se sempre, a querer-se sempre, a desitir jamais. não acredito, não posso acreditar, que este tipo de amor aconteça mais do que uma vez na vida. este tipo de amor, acontece uma vez. o entendimento no silêncio dos olhares e na imobilidade dos lábios, o conforto no simples corpo que se senta, imóvel, a nosso lado, entretido a roer as unhas ou a acender um cigarro. e, apesar das diferenças de gostos, de abordagens, de reacções, apesar da permeabilidade à dor e às situações e à sensibilidade ao humor e à felicidade, é essencial que se tenha a mesma perspectiva da vida, que, não importa os inúmeros caminhos alternativos que escolham, saibam que o objectivo é o mesmo. não importa que oiçam a mesma canção. a meta deve ser uma e uma só, a mesma, para os dois - e isto é inato, não pode ser treinado. e é isto, e só isto, acredito, o que diferencia o que acontece uma vez na vida daquele que acontece ocasionalmente e que deixa um sabor amargo na boca no final. sim, porque para esses amores, há sempre final.

contigo, só quero estar em silêncio.

celos - gotan project