1 de nov. de 2012

sonho

esta noite tive um sonho perturbador, angustiante, que exigiu mais forças do que as de que parecia dispor.

não era eu, era outra pessoa qualquer e vivia numa casa enorme que ainda conseguiria descrever. tinha um jardim com piscina e um terraço. e tinha uma família enorme e mesquinha, complicada, e uma irmã mimada que detestava. a minha mãe era a figura mais forte dali, e também as duas chocávamos apesar do muito que eu precisava da sua aprovação. odiava o meu pai e os homens que iam constantemente lá a casa fazer política com ele e dar-se ares de intelectuais conservadores.

a minha irmã caía de um bicho esquisito, 100% inofensivo, que não existe e que tinha os olhos mais tristes que jamais vi. a minha família declarava-o culpado pela pequena queda da menina, que ficava sobressaltada e humilhada. ela caía na água (era numa praia) e ficava tudo filmado. o animal primeiro fazia uns quantos guinchos a tentar chamar a atenção das pessoas sobre a queda dela e depois, visto que ninguém ouvia, estendia-se na areia ao sol. o desgraçado do bicho a apanhar sol e a minha filha a morrer, era o argumento indignado do meu pai quando regressávamos a casa. E trancafiava o pobre animal numa pequena jaula de coelho (os sonhos são assim, se antes tinha o tamanho de um cavalo e parecia um pequeno dinossauro trapalhão, agora parecia uma pequena foca peluda de olhos tristes). iniciava-se assim a minha luta contra o abate do animal. o tempo arrastava-se com ele fechado no terraço, comigo a ligar a toda a gente para vir acudir-lhe antes que fosse tarde demais. com o meu pai a contar a história nos serões e a ser amplamente apoiado quando dizia que ia abater o animal. e eu interrompia-lhe o convívio, evocada o progresso, einstein e outros filósofos, falava do respeito aos animais como marca de civilização, de humanidade, de civilidade. dizia que a queda da mana não fora tão grande assim, que ela estava era de vaidade ferida. os amigos dele ouviam-me quando dizia que, daqui a alguns anos (estavamos nos anos 20) quando o mundo finalmente se detivesse para pensar nos animais, todos eles seriam tidos como bárbaros. dizia-lhes que deviam abraçar a mudança dos tempos e os novos valores ocidentais. sentia que vivia no século XXI mas estava rodeada de senhores de fato e gravata dos ditos anos 20. e todos com tanto respeito ao meu pai que acabavam por encolher os ombros e ignorar-me. e então vinham elas; as minhas amigas V e V. e eu engendrava um plano improvisado, simples, já que o jantar estava ao lume e a minha mãe saíra. a janela da cozinha dava para o terraço. deixava-as no terraço e pedia-lhes que corressem, que me passassem a gaiola para a janela da cozinha, a poucos passos da porta de saída, e corressem para aí. eu colocar-lhes-ia o bicho nas mãos e elas que fugissem. eu reunir-me-ia a elas assim que pudesse, para decidirmos aonde o deixar, com quem o deixar. para celebrarmos a sua vida. e, nervosa, abria a janela e os meus dedos tremiam. sabia que ia ser severamente punida. já declarara que odiaria para sempre o meu pai e a minha mãe. evoquei, mesmo no sonho, o número de vezes que os denegriria perante os filhos que um dia haveria de ter. tudo porque eram inflexíveis quanto a evitar o desperdício de uma vida. elas diziam que a gaiola não passava. então peguem nele, dêem-mo cá e dêem a volta, corram para a porta antes que alguém venha vigiar as panelas! e era o que faziam. o animal era tão indefeso, e já estava num estado tão mal tratado, quase vegetativo e cheio de fome, que não oferecia qualquer resistência. eu aguardava, com ele enrolado atrás de um avental e de um pano de cozinha, que elas chegassem à porta. metia-o nas mãos delas, sorria e fechava o rosto de nervos. dava um passo para o patamar do prédio e elas julgavam que ia com elas. não, eles iam suspeitar, vão vocês e logo falo convosco para ver onde o pomos. e a porta ia fechar-se mas eu evitava-o no último instante. dizia: adeus queridas, até amanhã. e fechava-a com estrépito. a maldade deles não sabia que todos os meus instantes eram dedicados a tentar salvar o bicho, por isso estendiam-se languidamente no sofá a julgar que eu tinha a cabeça ocupada com futilidades.a minha missão estava cumprida. 

a única cena que se seguiu, no meu sonho, foi a da minha mãe, uma loira altíssima de quarenta e tal anos muito parecida com a vera fisher, chegar a casa com compras e a bufar. quando dava pela falta do animal, incitada pela minha irmã meio histérica, olhava-me longamente. e dava-me uma cabeçada. e eu desmaiava e dava-me conta, ao acordar, da gravidade do que fizera aos olhos de todos eles. 

e pronto, os meus sonhos são assim.

30 de out. de 2012

denouement

as a final act, a final chapter, an epilogue; I'd like to understand. but I have this suspiction that there will never be a satisfying answer to this quest of mine. everything seemed wrong. wrong people, wrong feelings, wrong words. I wish I could go back and respect myself more. I wish I was still on time to promise a silent love, a silent respect, to a man that meant so much... now it's all gone. I feel ridiculous when I think of love. It's like believing in a ghost... I had the most precious of feelings inside me, such a Pandora box, throwing curses at everyone around, consuming me like acid... but at times it glittered like diamonds in the darkest, deepest, sky. and he was there; he was going to be there for an entire lifetime. now how will I explain the world that I didn't give up on a noble pursuit? the noble pursuit turned his back on me. the noble pursuit isn't that noble anymore. one of us was deadly blind... probably, surely me. seeing value in each action of his, seeing kindness and fairness in someone else. it meant the world for me... to experience the comfort of such a good existing soul. nothing's good anymore, he supported the columns of our ruins and, when he left, the temple fell. it's nothing but dirt and clouds. I'm the spirit that only lived to blow through his muscles and bones, to walk side by side with his strengh, to support the temple and the world with our mutual strengh. flesh and bone... and he let it go.

but deep inside I think I know what happened. deep inside I'm pretty sure you had no substance, no idea of where your steps would take you. no idea of the thin line between what you needed and what you wanted. no retrospective sense of sight, no glimpse of your future. you just sat and dreamed, how easy it must've been...

and here I lay, with the echoes of a personal drama. the echoes of a personal chaos. the echoes of a personal calamity. the echoes of a personal tragedy to overcome; as I did with all the others.

why will I have to carry this doubts to my grave?
how could someone be so blind about itself?
how could someone fool others so well?
how could you play me that way?
how could you sleep tight after tearing me apart?
how could you keep stepping and digging on me even after my departure?
how could you become nothing, how could you dare becoming nothing, when I had so good expectations on you?
how could you let yourself slide to less than zero to me?
where did your essence go? I have this slight memory of your smile... is it gone for good?
how did you lose your sparke? did you ever had it or did I just imagined it?
how could you change until you made me be ashamed of ever loving you?

I need a proper denouement for my personal novel.
the knot broke and I don't even see the rope anymore.
where did it all go?


We are now part of an extint civilization. So promissing and yet, what a waste... we failed, we fell.

17 de out. de 2012

How I wish...

We're just two lost souls swimming in a fish bowl...

Hoje ia um maluco, daqueles habituais no Cacilheiro para Lisboa, a cantar este hit dos Pink Floyd alto. Tartamudeava as palavras para ele, numa conversão desajeitada entre o inglês que não domina e o muito que deve ter ouvido, repetidamente, esta canção. Depois de tanto tempo dá na rádio e está a chover. Está a chover e ela traz-me memórias.

Se penso em ti? Só pelo mal. Se tenho saudades tuas? Não. Já não és tu. Se voltasse atrás, nunca me teria deixado prender... Só precisava de ter visto um bocadinho melhor. Mas houve qualquer coisa.... desprendida dos sentimentos, houve qualquer coisa. Houve a certeza que eu tinha, e que não voltarei a ter, de que duas pessoas foram feitas uma para a outra. E houve o mundo e a vida, caprichosos, a separá-las definitivamente. Através de ti, daquilo que ainda acho que foi a tua cegueira, a tua teimosia. Porque teríamos sido invencíveis  juntos. Teríamos batalhado pelo bem, pelo que é genuíno e nobre e justo. Poderíamos ter tornado um pedacinho do mundo num sítio melhor.

E agora?
A vida está vazia para mim. Não te quero, mas eras tu.
Eras tu.

14 de out. de 2012

and I realize...

each and every minute that passes since we went in different directions I realize the loss - the separation - was more needed. thank you universe... for you've always been so right...

but I do miss the person I was and the great capacity of love that I had.


4 de out. de 2012

I miss you

Hoje, conforme caminhava para o trabalho, sorria. Sorria porque está um dia luminoso. A minha melhor amiga faz anos. Estou de t-shirt e é Outubro. Tudo correu bem; estou fresca e um bocado melancólica. E então recordei-me de nós. Sinto-me tão benevolente, tão sólida, tão elegante no meu caminhar sem tristezas nem fraquezas, que me imagino a cruzar os braços e a olhar para ti. (Mas, para funcionar, tens que ficar calado).

Teria de ser em inglês, fica sempre bem e nunca atraiçoa ninguém:

- I miss you. I miss the person you were yesterday. And, for once, I don't love you. But I miss us, such good friends we were... But we did some bad things to each other, didn't we? No, don't answer. The you I miss was silenced by the past. I just wanted you to know that I miss him.


Depois pensei que poderia sentir-me aliviada se o dissesse. Mas tu não ias compreender, pois não? Tantas vezes que te tentei enganar ao fingir já não gostar, já não querer... e agora que é verdade não to posso dizer. Não ias acreditar, pois não? Há um ano atrás - há um exacto ano atrás - eu não acreditaria que te esqueceria jamais. Os nuncas e os sempres sofreram reviravoltas notáveis nos últimos meses...


Mas sabes que mais? Nada disto me aperta ou me incomoda. Não faz mal. Eu escrevo um romance a seu respeito.

No romance vou cruzar os braços e dizer-te,
I miss you.

3 de out. de 2012

#Epifânia - 2

05:30 - Montegordo
  
Entrou no carro sem olhar para trás e ajeitou-se no banco. Passageira, no carro e na vida. Seria levada de regresso a casa e estava indecisa sobre querer chegar de imediato ou desejar que a viagem durasse para sempre. Abraçou os joelhos. A viagem seria longa e penosa mas, depois disso, não haveriam mais viagens como aquela. O dia ainda nem despontara e a neblina tingia o horizonte de um azul-acinzentado, nostálgico. Tinha sede mas a imobilidade que a tomava impedia-a de procurar, na malas previamente colocadas no banco de trás, a garrafa de água. Dois homens despediam-se fora do carro. Junto a um muro de garagem, estavam muito próximos e sussurravam coisas desagradáveis a seu respeito. Acariciou o joelho com o nariz, sentindo que lhe era impossível focar o olhar. Estava perdida. Optara por perder-se. A porta ao seu lado abriu-se com um ruído seco e voltou a fechar-se com rispidez. Um dos dois homens afundou-se no assento do condutor, ajeitando de imediato o cinto. Todo o carro cedeu para a esquerda, equilibrando-se novamente em seguida com um trejeito metálico. Ela não quis olhá-lo, sabia que não haveria meio de gostar do que veria nos seus olhos. Conhecia-os bem. Já se vira neles inúmeras vezes.

Arriscou olhar sobre o ombro para a casa que, lá de trás, na alvorada, reluzia em branco e azul, com rendilhados e uma platibanda tipicamente algarvia. O outro homem aproximou-se do condutor, que dera início ao estremecer do carro ao arranque do motor, e sibilou-lhe mais qualquer coisa. O homem ao volante virou-lhe o rosto. Na noite anterior tinham desferido golpes de punho no rosto do outro. O lábio do condutor exibia uma ferida ensanguentada do tamanho de um agrafo. Ela olhou para a frente, abstraindo-se da existência daqueles dois. Era impreterível esquecer-se da existência daqueles dois. Era suposto terem acordado duas horas depois. Não tinham conseguido dormir. Enterrando o rosto entre os joelhos, perguntou-se se voltaria, algum dia, a dormir.

05:40 - Vila Real de Santo António

O veículo, um Chevrolet Captiva com quatro anos, cinzento-metalizado, imobilizou-se na Avenida da República. Não fosse a atmosfera escurecida e o odor a maré baixa na atmosfera, ela ter-se-ia esquecido de que estava tudo fechado. A cidade dormia, o Cantinho do Marquês estava a horas de abrir e o eco das gaivotas assobiava sobre a chapa do veículo. Ele desceu do carro sem bater com a porta, mas fechou-a no rosto dela e nas perguntas que poderia fazer-lhe.

Ficou a vê-lo afastar-se, passar pelo Hotel Guadiana e imiscuir-se nas transversais que iam dar à Praça do Marquês de Pombal. Mentalmente, via as raias de basalto e calcário que ainda no dia anterior pisara, por entre sol e risos. Palmeiras, nuvens no céu. Anunciavam trinta e cinco graus para esse domingo mas ela sentia um frio novo e inesperado infiltrar-se-lhe nos ossos. Reparou na estátua de mármore branco que ostentava uma ode inflamada ao Guadiana. Era uma dama, certamente, mas quem? Jamais saberia, porque não tinha interesse em regressar ali. Pior do que ser agora odiada, odiava-se. A fealdade por vezes dói, de tão fria, e ela estava quase certa de que não voltaria a olhar-se ao espelho. E com essa associação de ideias fê-lo, na esperança que a badana sobre o lugar do passageiro estivesse fechada, mas não estava. E agora também ela fazia parte do carro. Também o rosto dela estava impresso no espelho com meio palmo do carro. As depressões fundas das suas olheiras, o inchado sob os olhos, outrora tão capazes de cativar. Deus, tinha um ar miserável... E o cabelo? Desfeito, indomável. Tentou metê-lo para trás das orelhas, limpou as pálpebras, fungou. Já chorara bastante, choraria o resto depois.

O cintilar de qualquer coisa na água chamou-lhe a atenção. Ele deixara o carro virado para a marina, Espanha saudava-a e os barcos a motor ondeavam ritmadamente sobre o Guadiana. Abriu a porta por impulso. Ele estava a demorar, não estava? Fechou a porta com a anca sem se dar ao trabalho de retirar a chave para trancar o  Chevrolet. Estava a poucos metros do beiral e foi para lá que se encaminhou. Agarrou a protecção metálica, minuciosamente pintada de branco, dedicou um instante a ler uma das arestas respeitantes à estatua de mármore que ornamentava a frente ribeirinha. Leu qualquer coisa a respeito do esplendor de um céu azul. E então deu atenção às águas do Guadiana, nessa manhã ligeiramente esverdeadas. Apoiou-se melhor na balaustrada, mordeu o lábio e discerniu uma garrafa de plástico que boiava, tocada por uma língua discreta de sol. Era demasiado cedo. Olhou para um lado e para o outro. Olhou para a água novamente. Aquela garrafa era a única coisa que conspurcava a limpidez daquelas águas, a despeito dos motores dos barcos. Olhou para trás, sobre o ombro, prendendo-se firmemente ao frio da protecção. Ele ainda não voltara.