26 de fev. de 2012

tropeção

O final do dia. Solidão. Recordações. As horas lá atrás… Um pátio de escola, uma figura na esquina, abrigada. A chuva a cair sobre alcatrão. Qualquer coisa melancólica a tocar-me aos ouvidos. Guardo memórias de demasiados sorrisos. Mão na mão, lábios na não, lábios no rosto. Abraços fortes que davam a ilusão de eternos, indestrutíveis. Milhares de palavras trocadas. Tantas vezes, compreensão, encontro, adição. Tantas vezes me deste qualquer coisa nova para guardar nas minhas gavetas… Noite. Praia. A doçura discreta do teu conforto muito longe. A tua voz a ser-me trazida pelo vento. Solidão. Viragem do Milénio. Solidão. Um vazio antes da turbulência que viria a seguir. Desespero, tanto e a rodear-me. A corroer-me. Distância – aproximação. De novo a distância e a aproximação. Ciclo vicioso, doentio. E eu a convencer-me que aquelas duas pessoas apreciavam e precisavam uma da outra. Desengano. Solidão. Esquinas, tempo, frio, canções, filmes, palavras, contextos, decisões, vida, passos. Qualquer coisa que, do nada, me traz o odor. O odor específico daquele pescoço quente, daquela pele no Inverno. O sentimento de união. De calor. De multidão ao nosso redor. Um simples olhar e partilhávamos uma opinião. Ríamos juntos. Respeito, tanto respeito. As horas lá atrás… É delas que não consigo desfazer-me. Planos de fogueiras para blusas, livros e cobertores não vão ser suficientes para apagar as horas. Tanta vida, nessas horas, que soma enorme, de horas. Desperdício. Dor. Revelação – por fim, o desencanto. As horas, que consomem e matam e corroem. E eu a ver-me, sob o luar, de diário na mão a preencher o amarelecido das páginas contigo. Com o que pensava que seríamos um dia. Saudade de andar iludida, de ver o mundo em cor-de-rosa. O mesmo mundo que agora me parece cruel, porque me contou uma piada, uma história infundada durante demasiado tempo. Tanto tempo que todo o futuro parecia advir dela – alinhado, entrançado, bordado a partir dela. Belo e lógico e poético. O mesmo mundo que pousou as mãos sobre os meus olhos durante tantos anos. E eu, que ia recolhendo objectos queridos, memórias, horas, sonhos, e pu-los todos numa gaveta que visitava com a frequência de quem não tem mais nada a que se agarrar para saborear o ser feliz. E então, por vezes, fui obrigada a fechar essas gavetas à chave e a prometer-me que não regressaria lá. A dada altura, voltava a ceder ao mesmo odor, ao mesmo rosto tão amado e conhecido, e abria a gaveta. Espalhava as coisas no meu chão e tropeçava nelas durante algum tempo, batendo com as canelas na esquina de móveis, caindo de joelhos sobre saibro às vezes, batendo com a cabeça em esquinas. E só quando era impossível viver com essas carcaças é que voltava a reuni-las e a fechá-las na gaveta sem, no entanto, ter aprendido. Voltaria a abri-la. Desta vez isso não acontecerá. Há a fogueira. De blusas, livros e cobertores. De memórias. De horas. Adeus. 

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