30 de jul. de 2012

so what?

I'm happy now

tempo perdido

Ontem fumei um cigarro sentada com a minha irmã à luz parda da lâmpada do quintal. Ela tinha esta música no mp3 (Cada Lugar Teu), ela sabe a história desta música. Mudou-a depressa mas não tão rápido que eu não me desse conta de que a ouve. O pesar nos olhos dela esclareceu-me para o facto de que também está de luto por mim, por nós. Oh sim, ela diz que tem pena de ti. Tem pena que tenhas sido estúpido e tem pena que eu tenha virado as costas à nossa amizade. Eu murmurei, meio distraída: "ainda não sei como tive coragem". Mas a coragem é precisamente escolher o caminho mais difícil, ir contra aquilo que nos custa, por um bem maior. E eu salvei-me, não foi? Eu salvei-me da humilhação, da dor e da repulsa que me terias causado com aquilo que és agora, com a tristeza que és agora - you're making a fool of yourself, a blind and hopeless fool - se não tivesse fechado a porta atempadamente.  O teu tipo de egoísmo é de uma natureza cruel e quase imoral, não importa nada, pois não? Há uma vida que dizias que te punhas acima de tudo o resto. Mas eu julguei que fosses tu armado em durão, até porque dizias tantas outras coisas que agora se revelaram mentira...! Como é curioso ver-te a correr, tão embrenhado, para tudo aquilo que criticavas e condenavas! És daquela espécie que desdenha porque quer comprar. Aposto que agora nada daquilo que criticavas te importa mais, não é? As mulheres já não são umas mulas porcas, têm direito a ter-se divertido à grande. Já não são umas manipuladoras que contam tudo aos amigos. Já não são o diabo de saias, a seduzir pobres inocentes. Já não importa que gastem muito dinheiro em roupa ou que tenham apetrechos topo de gama. Também já não são umas idiotas por perderem demasiado tempo com a televisão ou filmes. 

Pela primeira vez na vida agradeço a dádiva da visão. Apercebi-me das cicatrizes que deixaste em mim. Cinco anos que descartaste num único momento (e que abençoado momento!) - eu fechei a porta primeiro e definitivamente, é preciso recordar -, que te valeu uma varredura para fora do meu abrigo. Pensei que ficaria destruída, Chernobyl, sim, mas renasci. Renasci rápido por cima das cinzas, afinal sou de fogo, não é? Foi uma ventania que quase me extinguiu, mas eu renasci mais forte ainda. A vida tem soprado bastante na minha direcção ultimamente. Estou realizada a vários níveis quando, antes, só conhecia a frustração. Pensei que, quando isso acabasse, eu ia estar tão magoada que ia meter na cabeça que jamais amaria alguém de novo. Estava enganada. Eu cresci perto de homens moles que pouco valem e agarrei-me ao primeiro que tinha um laivo de energia, uma centelha de brilhantismo que fosse. Mas sabes o que é que concluí? Que nem tu és mais forte do que eu. Não, se houvesse um terramoto eu levantar-nos-ia, não tu. Eu sou de granito e tu de pedra-pomes. Tens mais discurso do que qualquer outra coisa e és tão sensato e tão flexível e manipulável quanto qualquer outro tolo. O caminho que tomaste - o modo como escolhes percorrê-lo -, reafirma esta minha certeza. Eu vou precisar de diamante - não pelo seu valor, mas pela sua dureza. Sim, vou precisar disso para que, quando os meus punhos lhe baterem no peito, ele não quebre. Não dobre, não amoleça. É engraçado ver as mudanças que se operaram em ti. Foi água dura em pedra mole. Furaste. Como é que a minha mãe dizia...? Banana, é isso.

Tanta gente me viu dar voltas nesta roleta russa, jurar o meu amor eterno, dispensar a minha vida, sacrificar a minha felicidade, aceitar bofetada atrás de bofetada - porco, sacana - na esperança de um dia... um dia o quê? Há homens mais avisados do que aquele. Homens mais firmes, mais razoáveis e sensatos. Há homens com mais astúcia, menos volúveis. Menos cegos. Homens que poderiam ser guerreiros a meu lado, que saibam o que é vida, o que é luta e o que é luta de vida. Há homens mais inteligentes, mais cultos. Perdi-me durante tanto tempo porque ele era o mais isto tudo que conhecia - e até o contrário já me provei. Não muito longe, até. Mas o mundo é grande, o mundo é enorme. Mas este gosta mesmo é de tentar cingir sabão. Gosta de pensar que a qualquer momento lhe escorrega. Porquê? Perguntei, e ela respondeu: Para sentir que é o premiado. Realmente, eu era garantida. Eu ia estar lá para sempre. Desde que não me batesse, não me traísse, não me destruísse, eu ia estar lá sempre, não iria a lado nenhum. O bem estar dele seria sempre mais importante do que o meu. Os meus olhos não sairiam dos dele. Ele seria o Sol no centro da minha galáxia. Para o bem e para o mal - eu teria posto o meu peito à frente da bala. Talvez isso fosse qualquer coisa de demasiado precioso para o Universo pôr nas mãos dele. Guardo-o em mim para quem, um dia, vier a merecê-lo realmente.

Há dois dias, sentada nas minhas escadas às cinco horas da manhã, alguém olhou para mim, para o fundo de mim e perguntou, com o interesse genuíno de quem me viu sofrer tanto:
- Sempre pensei que, não agora, mas um dia mais tarde, tu e ele ficassem juntos. Mas depois disto nem sequer porias a hipótese...não é?
E eu já estou a abanar a cabeça a meio, já estou a sorrir com determinação. Digo, com mais certeza do que alguma vez tive na vida:
- Não, nem pensar. O que me fez não tem perdão. Além de que a pessoa em que se tornou não me interessa para nada. Depois já não o amo, já não gosto dele como pessoa, sequer. (a carga benigna que lhe associava é agora uma nuvem negra e incomodativa que, felizmente, não me custa muito a ignorar). Nunca, o Universo escreveu bem esta história, salvou-me do pior.

Lamento ter magoado tanta gente em meu redor. Magoei sim, não sabias? O meu amor era tão grande e tão bonito que havia uma corrente de boa-vontade ao meu redor. Oh, os românticos provavelmente acreditavam que, se isto funcionasse, então essas tretas todas sobre lutar pelo amor valiam a pena. Teria sido um triunfo estrondoso. Haveria sorrisos e uma corrente generalizada de simpatia e de piadas sobre o nosso casamento e os nossos filhos. Haveria imensa gente a dizer "sempre soube!" e haveria piadas a respeito das muitas lágrimas que deixei cair. Inclusive a pessoa mais improvável que possas imaginar, que em tempos disse que eu e tu tínhamos sido feitos um para o outro, se a história tivesse sido diferente, diria "eu sabia!". A minha avó ia chorar de alegria - por seres tu, depois de tantos episódios da novela. A minha irmã idem. As minhas amigas - mal posso imaginar, se tiveram os olhos inundados de lágrimas quando despejaste o teu novo estado em cima delas com ruídos de salivas e bocas a enrolarem-se - os olhos delas em mim! eu a rir e elas de lágrimas nos olhos! - teriam pulado de alegria, ter-nos iam pago um copo. O meu avô teria gostado de ti - não de ti hoje, mas do ti que eras antes de dezembro do ano passado. O idiota do meu pai faria observações a respeito de seres baixo. Eu ia defender-te e ofendê-lo com o facto de que a altura nunca fez um homem. A Ana ia divertir-te - é uma miúda inteligente. Íamos viajar juntos - eu arrastava-te se não te apetecesse, haveríamos de fazer muitas caminhadas, também. Havia tantas potencialidades - foi sempre isso que me magoou, o muito que poderíamos ter subido, eu puxaria por ti e tu puxarias por mim e não haveria horas mortas nem inactividade. Íamos acompanhar a conversa um do outro - eu não ia bocejar nem revirar os olhos nem acenar afirmativamente com o olhar lá longe enquanto falasses - e um olhar bastaria para que comunicássemos a nossa opinião sobre qualquer asserção de um terceiro. Haveria, sim, desenvolvimento constante, troca constante de conhecimentos. Quando acabasse, se acabasse, seríamos ambos pessoas muito mais ricas e teria valido necessariamente a pena.

Ou então não.
Porque isso das viagens e do trekking e quês já diz respeito à pessoa que sou agora. Quando havias tu eu só te via a ti, não iria a lado nenhum, ia bastar-me a sombra de um plátano lá na velha rua. Provavelmente não sairia da cepa torta, mais preocupada contigo do que comigo, com a tua satisfação do que com a minha. Com estar contigo do que com estar com o mundo.

Mas então eu lembro-me que...

Essa história não é a minha, eu mereço uma melhor.
Espero que o Universo se tenha sentado e a tenha escrito em moldes de luz, clarividência e honestidade. 

PS : o Tarot mudou as cartas que nos representam.

22 de jul. de 2012

it takes time to be a man

jesus,
he's such an ugly person
selfish
childish
stubborn
how come you made me walk through such a long track... with blind eyes?

thanks for helping me kick those doors.

12 de jul. de 2012

tudo o que nos demos

«diz-me que vais guardar e abraçar tudo o que eu te dei».

Esta letra foi uma premonição, não foi?
Parece que já sabias e que estavas a dar-me um último abraço, ao ouvido, numa noite em que tantos já se tinham ido deitar. Mas já havia pontes entre nós, daquelas intransponível, não havia? Estavas só a gritar-me do outro lado da falésia...

Eu guardei. Prometo-te que guardei.
Mas tinha que ser assim, faz mais sentido assim.

Mas eu guardei, está bem?
Fica guardado.

Houve um momento no tempo em que tudo foi possível,
tudo foi real. O momento foi efémero, nós também somos, também fomos efémeros.
Gozo agora esta doce morte de ter renascido para uma nova vida.

Ficamos com esta, então.
Foste tu que escolheste.
Por vezes foi tão bonito...

Eu guardei.
Fechei a porta e guardei.

Já foi...
não me dói.
É só um capítulo encerrado,
com a nostalgia dos capítulos encerrados.

«Sei de cor cada lugar teu
atado em mim, a cada lugar meu
tento entender o rumo que a vida nos faz tomar
tento esquecer a mágoa
guardar só o que é bom de guardar
Pensa em mim, protege o que eu te dou
Eu penso em ti e dou-te o que de melhor eu sou
sem ter defesas que me façam falhar
nesse lugar mais dentro
onde só chega quem não tem medo de naufragar
Fica em mim que hoje o tempo dói
como se arrancassem tudo o que já foi
e até o que virá e até o que eu sonhei
diz-me que vais guardar e abraçar
tudo o que eu te dei
Mesmo que a vida mude os nossos sentidos
e o mundo nos leve pra longe de nós
e que um dia o tempo pareça perdido
e tudo se desfaça num gesto só
Eu vou guardar cada lugar teu
ancorado em cada lugar meu
e hoje apenas isso me faz acreditar
que eu vou chegar contigo
onde só chega quem não tem medo de naufragar»

10 de jul. de 2012

promessa de chuva

No domingo, quando parti de Mirandela em direcção a Lisboa, fiquei boquiaberta ao chegar acima de Lamego. Sem aviso, os montes distendidos e salpicados de verde - oliveiras, alecrim, pinheiros - abriram-se em vales escarpados nas margens do rio Douro. Ao fundo dos vales, que entontecem de tão altos, multiplicam-se pequenas pontes que, à distância, vistas cá de cima, parecem pecinhas de lego, qualquer coisa de brincar. E os socalcos, vale acima, encosta direita, encosta esquerda, protegidos por amuradas de xisto, e as vinhas a cintilar de verde vivo - verde vida - precipitadas sobre os reflexos do céu na água... Sustive a respiração durante longos momentos, fiquei estupefacta. Depois pus-me a reflectir (quando a paisagem ficou para trás e pude , de facto, pensar) sobre a minha pretensão de julgar já ter visto muito só porque mal paro em casa. Dei-me então conta de que ainda não vi nada, e de que o mundo é extenso, quase infinito para as pernas - as forças - e os recursos - tempo, dinheiro - de que o comum dos mortais dispõe. Por isso, se aos 22 anos sou agraciada com a dádiva que é contemplar as paisagens do Douro vinhateiro, fico comovida e falta-me o ar e considero-me uma privilegiada. O que é o Douro comparado com o Gran Canyon? Mas o que é o Chafariz de Almada comparado com o Douro? Degrau a degrau, vale acima, estou mais perto da realização. 

Ao chegar, a tardias horas, à estação ferroviária de Sete Rios, conheci uma jovem de 20 anos, mas tão sábia que foi óbvio que a vida revolve com mais intensidade ao seu redor. As nossas almas entenderam-se de imediato e foi com naturalidade que nos pusemos a discursar sobre as vidas de cada uma, as crenças, as lutas, os gostos lá ao fundo, em segundo plano. O Alquimista e viver a vida com a colher de óleo na mão, sem derramar o seu conteúdo e sem deixar de ver o que se expande em redor. Estou a viver a vida e a carregar a colher de óleo, e nunca me movi em tamanha harmonia. Tudo parece encaixar-se graciosamente na outra metade - o equilíbrio entre alegrias e tristezas é perfeito, não há oscilações, nem elevações abruptas nem quedas a pique. I'll keep holding on... Está a dar na rádio, não digo que é tudo perfeito agora? Eu não espero por nada. Eu não quero nada. Retiro prazer daquilo que a vida estende à minha frente, para que eu colha na medida do meu ânimo. I wasted all of those years... Oh, eu dancei num campo infértil durante tanto tempo, tudo por uma mera promessa de chuva... Ia morrer à sede no deserto quando acordei e corri para o primeiro curso de água, para o primeiro oásis... oh, atravessei meio país e de súbito as dunas ficaram para trás, a aridez das suas ondulações deixaram-me, e o verde explodiu em frescura e vitalidade. 

Mas não estou cega, vejo melhor do que nunca. O coração humano... tão facilmente corrompido, a mente humana, tão facilmente manipulada. O corpo humano... tão limitado e tão dado a imprudências... Mudanças de direcção são possíveis com um simples sopro, um simples bater de asas de uma borboleta - quem diria que temos tanto poder sobre as vidas dos outros? Só almejo, neste momento, poder sobre a minha. Não quero poder criar nem destruir. Não, quero sentar-me num afluente do Douro e deixar a água correr livremente, límpida, por sobre mim, sob mim, em redor de mim, na corrida imparável do seu curso. Sob a ponte, em redor das outras formações rochosas, rio abaixo, vida afora.
Quero o campo, oh vida, dá-me essa oportunidade. Quero o campo.
Não quero promessas de chuva:
quero sentar-me bem no centro do rio.

4 de jul. de 2012

brilhos ocultos

Finalmente estou a tornar-me aquilo que sempre deveria ter sido. Longe dos sonhos da infância, das infantilidades. A alquimia em mim mistura tolerância com firmeza, irresponsabilidade com sorte, falhanços com alegria natural. Gosto que gostem de mim, coisa que não fazia questão anteriormente. Tinha receio que se prendessem a mim, que me prendessem a si. Agora flutuo nessas correntes, afrouxo-as e cinjo-as conforme me apetece. Nunca fui tão fiel a mim mesma - ao que quero, aonde vou, o que faço. Nunca ri tanto e tão genuinamente. Nunca estive tão completa, tão preenchida, tão activa. Nunca tive tanto orgulho em mim mesma, na C. que sai da cama às 06:00, toma banho, engole um pequeno-almoço à pressa, corre avenida acima até ao banco, não esmurra a máquina que não funciona e corre avenida abaixo ao sabor da The Arrival of the Birds, da Cinematic Orchestra. Tenho uma simpatia nova por esta jovem mulher - de cabelo indomável, Jesus! - que agora sou, esta mulher que mete o instrutor de condução de bom humor às sete da manhã, e que descobre que talvez conduza melhor do que muitos homens. Estou satisfeita por ter os pés na terra quando nunca fui tão admirada - nunca tive tantas atenções masculinas e, curiosamente, nunca estive tão bem sozinha. Sem ânsias, sem vontade de partilhar seja o que for com o sexo oposto.  Gosto, sim, gosto muito, desta rapariga de 22 anos que pede um pão com manteiga ao balcão daquela que considera a melhor pastelaria de Almada - tartelettes de limão, tarte de lima, fofo de chocolate, éclairsdonuts, semifrio de bolacha, queijadas... - Um pão com manteiga, por favor. Nunca tive a vida tão excepcionalmente organizada.


E tenho passeado tanto e descoberto tantas coisas, convivido tanto com pessoas magníficas, notáveis, amorosas, de alma e coração puros... Julguei que essas se tivessem esgotado, apenas porque todas as que julguei de bem resvalaram para o outro lado. As pessoas são capazes de tanta coisa... São capazes de sorrir àqueles que, sabem de antemão, se preparam para abocanhar... Lobos, o mundo está cheio de lobos. Mentirosos, manipuladores, dissimulados. Mas os castelos de cartas hão de cair e eu, nas entrelinhas, estou tomada de paz. As minha cartas repousam, tranquilamente, na sua caixinha de madeira. Respeito-as demasiado para lhes fazer mais perguntas agora que já me deram todas as respostas. A minha carta, a cada vez que a minha avó perguntava pelo meu futuro ou que eu mesma o fazia, era a XVII - A Estrela. Entrega, amor puro, desapego e, no inverso, tristeza. A cada vez que alguém perguntou, a respeito da minha felicidade futura, ou eu mesma o indaguei, a Estrela virou-se e fitou-me. Tristeza. Agora deixou de sair essa carta, tem saído outra a meu respeito. A tristeza já passou. Não vou voltar a perguntar se serei feliz, pelo simples motivo que não se incomoda as cartas com perguntas cuja resposta já conhecemos. E eu sei, oh se sei, a resposta a essa pergunta.

Eu serei estupidamente feliz, porque o bater das minhas asas mudou abruptamente de rumo... a minha carta nova é a III - A Imperatriz, força, realização, sabedoria, beleza (interior, espero). Gosto do facto de, nos baralhos tradicionais, ser representada com uma serpente - o meu animal do zodíaco chinês, a própria personificação animal da mulher. No meu baralho das Mil e Uma Noites,  a carta é qualquer coisa de majestosa. E eu continuo a acreditar em brilhos ocultos, sob o manto exterior...