28 de jun. de 2011

desperdício

a vida exige que se espere pelo que há de melhor. porquê? porque é que não podemos ser felizes desde o primeiro dia? porque é que a juventude não passa de um estádio curto, desvairado, e com um fim rápido e eminente? porque é que temos que esperar por qualquer coisa mais além, para começarmos a colher frutos? para sermos felizes? para nos sentirmos realizados? porque é que tudo requer tanto esforço? porque é que as pessoas se desperdiçam mutuamente, no presente, para irem encontrar-se lá à frente se, aos vinte anos, faz-se amor três vezes por noite e, aos cinquenta, já é difícil fazê-lo três vezes por semana? porque é que tudo o que é bom está lá à frente, guardado? e porque é que as recompensas só chegam tão tarde... porque é que aspiramos a ser qualquer coisa, e não nos limitamos a sê-la momentaneamente? porque é que alguém tem que experienciar tudo o que há a experienciar, não experienciando nada na realidade, quando podia prender-se a qualquer coisa e elevá-la ao grau de sublime? porque é que coisas superficiais, coisas sobre as quais não há três linhas de pensamento coeso a dizer-se, constituem os degraus que nos levam lá acima? e porque é que, lá em cima, há um patamar pequeno sobre o qual não podemos caminhar muito tempo; ou seja, porque é que a luta dura mais do que a comemoração da vitória? e porque é que a felicidade é um estado temporário, e não véu de seda e envolver-nos constantemente? porque é que, com o tempo, perdemos a voz? porque é que o medo, tantas vezes, é o determinante do nosso caminho? porque é que se acumulam, cada vez mais, momentos no passado aos quais não podemos regressar - traumas, perdas, receios, palavras atiradas ao vento, chegas para lá, desperdício. vida, porque é que há tanto desperdício?

23 de jun. de 2011

vi-vi-mmvii

talvez eu só tenha que me libertar de uma coisa: a minha teimosia.
e daí por diante siga, feliz, numa vida nova e sem amarras.

(a partir do momento em que te perguntas se ainda gostas de alguém, já deixaste de gostar dessa pessoa para sempre).

20 de jun. de 2011

poucochinho

Hoje descobri, nesta palavra tão portuguesa, o «poucochinho», a razão dos défices humanos e sociais. Talvez seja demasiado ambicioso falar nestes termos - quem sou eu para descobrir o que quer que seja, eu, que nunca descobri nada que me dissesse somente respeito a mim, quanto mais aos outros animais e às outras casas. Parece-me, reformulando, parece-me, que o «poucochinho», é a razão de muitos males. Dos meus, seguramente, é. 

Há dias, descobri que a minha avó me tem «poucochinho» amor. Eu sabia que as barreiras sociais, culturais e religiosas iriam impor-se, como barreiras instransponíveis - ditando-lhe o que deve ser o amor, e não o que o amor é, porque o amor não é indígena domesticado nem cristianizado, mas selvagem nato, de cabelos ao vento e pouca roupa no corpo.

Atormentada com o filme que vi sobre a eutanásia, perguntei-me «e se fosse eu?». Ao contrário do grosso da população, que acha que os males nunca lhes podem ocorrer eu, dada a imginar, ponho-me a experimentar os papéis principais das tragédias e dos triunfos. E se, com esta consciência de que o tempo de que disponho é poucochinho, sofresse um acidente aos vinte e cinco anos e ficasse presa a uma cama, sem hipótese que fosse de decidir sobre a minha vida e a minha morte por não ter a) mãos com que fazê-lo, b) alguém que me amasse suficiente para o fazer por mim?

Oiço Ramón Sampedro dizer, sob a voz de Javier Bardem (Mar Adentro, 2010), que a pessoa que me amar é que me vai ajudar. Pois claro que é, não tocou nenhum sino na minha subconsciência. Eu sempre disse que amava como quem tira a vida a quem sofre mas serei amada do mesmo modo?

Esgueirei-me, descalça, até ao quarto da minha avó. Em momentos que suspeito que se fará história, na minha vida, que a partir daí não mais serei a mesma, não mais terei a consciência do tempo e do espaço que tenho, tomo especial atenção aos pormenores. Ela estava sozinha, no quarto dela, deitada sobre a cama feita, com a luz a incidir no quarto através das frestas da persiana. Deitei-me atrás dela, soube que, apesar de ter o rosto escondido sob o braço, estava consciente da minha presença. «O que foi?», diz, e eu, com receava que a voz se quebrasse, olhei para o espelho do guarda-fato dela, onde surgiam apenas as nossas pernas. As dela flectidas, em repouso, as minhas esticadas e nuas, em tensão sob o meu vestido favorito de andar por casa. «Se eu sofresse um acidente e ficasse sem me poder mexer» - há que simplificar, para quê dizer tetraplégica? Se quero a resposta que busco, tenho que colocar perguntas compreensíveis «e quisesse muito morrer, tinhas coragem de me ajudar?». «Não fales nessas coisas que deusnossosenhor castiga». Pronto, se deus entra na equação pela porta, sou obrigada (eu e a lógica) a sair pela janela. «Diz lá, se eu não pudesse mexer se não a cabeça, e falasse, e te pedisse para me ajudares a morrer, ajudavas ou não?». «Claro que não, estás parva?». Não me contive antes de me levantar do lado dela «Sabia que não me tinhas assim tanto amor».

Devia despi-lo, se o tem. Devia desnudá-lo de preconceitos e receios e normas - da própria consciência e sentido de certo e errado, se necessário. Devia deixá-lo ser aquilo que ele deve ser - ouro sem mão humana, incrustado em pedra aurífera, tosco, mas autêntico. Dias depois começo a lidar com as consequências da falta de paz que esta resposta suscitou. Sonho que tenho uma trombose, em casa. Ultimamente não me tenho sentido bem, há poucos meses o coração começou a falhar batidas e sinto-me cansada. Um cigarro é suficiente para a respiração se arrastar ruidosamente durante a noite. Claro que não é nenhuma doença grave - como de acordo com os princípios do romantismo (XIX) seria bonito que fosse - e não quero ser ingrata quanto ao tempo de que ainda posso dispor, (60, 70 anos, quem sabe) mas os males têm-se acumulando e há pessoas a sofrer males do género na minha idade. Vou tentar por as minhas tendências hipocondríacas de lado, de modo a sobrar só aquilo que me dói, e não o que penso que possa doer-me. Mas o certo, é que estou a morrer. O certo é que, batam neste texto os olhos que baterem, esses mesmos olhos estão a morrer. Estamos todos, e eu pergunto-me como acontecerá, e até decidi, há muito, que se puder, serei eu a escolher o momento, num futuro remoto, quando viver já não me atraia, já não pareça ter nada para oferecer-me. Isto para dizer que sonhei que tinha uma trombose e a boca distorcia-se dolorosamente - ainda o sinto, foi a noite passada que o sonhei - e, na minha cabeça, havia uma veia a latejar - e falava com dificuldade, enrolada, e mal mexia um dos braços, e dizia à minha avó que ligasse para as urgências. Ela dizia para eu parar com a brincadeira, e eu tomava o telefone e tentava falar, em esforço, e às tantas desmanchava-me em lágrimas, a pedir ajuda, e era aí que ela entendia e me tirava o telefone das mãos e falava por mim. Eu estendia-me sobre a mesa da cozinha, a cabeça no material fresco, deixava que mais lágrimas caissem e pedia ao destino para que, se fosse tarde demais para eu voltar a mexer-me bem, que me levasse. Por favor, leva-me, não aguento mais abstinências. Já me abstenho de amor, de saúde, de dinheiro, não me abstenham de fazer viagens de dois metros, da minha mão à vossa. E apagava-me. Não sei o que se seguia, porque o sonho apagou-se também. Os meus olhos fechavam-se devagar, uma sonolência calmante tomava-me, e o meu último pensamento era o de não querer acordar se o meu corpo tivesse morrido ao redor da minha alma. Não, aprisionada não. E assim acordei, aterrorizada, com a certeza de que, se me acontecer uma desgraça semelhante, bem posso definhar sem dignidade na cama, porque não há ninguém que me ame o suficiente para ma devolver. A essas pessoas, que achassem que o meu dever era ficar, saibam que, se tal me acontecer, a cada vez que pousar os olhos em vocês, se puder fazê-lo, estarei a implorar para partir, e a condenar-vos por não me amarem o suficiente. Quando chegar lá acima, o vosso deus, que para mim é a sabedoria final das coisas, há-de perguntar-me se serei capaz de perdoar-vos uma dor pior do que o que quer que fosse que me tivesse metido de cama. E eu direi que não, que não perdoo cobardias.

E, só para que saibam, àqueles que amo prometo ajuda no que quer que seja, a viver, ou a desviver, se viver se tiver tornado intolerável para vocês. O amor é uma coisa que se aprende, e eu tenho aprendido a amar melhor. Sem egoísmos. Deixar-te voar se queres ir, abrir-te os braços quando voltares. Deixar-te cair de joelhos, se insistes nesse caminho, e receber-te de braços cruzados e um sorriso de canto de lábios. Dar-te conselhos mas não imposições. Ficar feliz se os acatares, mas não me desiludir se optares pelos teus próprios avisos e chamamentos. Eu amar-vos-ia o suficiente para vos garantir alívio, e não considerem que vos amaria menos por isso, só porque seria capaz de vos mandar para um sítio onde não teria certezas se voltaríamos a estar juntos. Mas, para quem ama realmente, não é possível não estar juntos. Eu, pelo menos, vivo metade em mim e metade onde o outro está. Estares aqui significa, simplesmente, que todos os fragmentos da minha alma estão reunidos num mesmo espaço.

Não sei amar poucochinho.
Dá-nos jeito ter ao lado alguém disposto a trocar a sua liberdade pelo nosso alívio.
Menos do que isso, não poderei nunca aceitar.

6 de jun. de 2011

there's a degree of dificulty in dealing with me

«nunca sentiste que existem coisas que não consegues dizer? que a garganta seca? que as palavras ficam entaladas e não existe forma de as deitares cá para fora? tu nunca consegues encontrar as palavras adequadas para dizer que sentes falta de alguém, porque inventas maneiras de usar palavras que não as mais directas, as mais objectivas. tu pensas que se disseres as coisas de outra forma, que o que queres dizer, é entendido, pela outra pessoa, da mesma maneira que a tua. mas não. tu não sabes como é que hás-de dizer a uma pessoa que gostas dela, e isso toda a gente sabe que é difícil. as palavras são escolhidas ao pormenor, tentas escolher as mais meigas e dóceis, as mais carinhosas e queridas. até o tom de voz tu treinas, para não fazeres uma voz demasiado grossa e rápida, ou demasiado lenta e calma, ou então para a outra pessoa gostar. tu inventas gestos, o mexer das mãos, a posição do teu corpo...o corpo assente numa perna, o corpo assente na outra, a maneira como respiras, para transparecer que te manténs calma/o e serena/o. o teu olhar é testado, para que não olhes directamente para a luz do candeeiro (se existir um), ou para o chão, ou para as ervas, ou para o infinito. escolhes uma roupa e um penteado, porque não fica bem se estiveres ao natural (será que ele/ela gosta de mim assim? - pensas). mas tu, no fundo, sabes que não é assim. quando o momento chegar, não existe tempo para nada disso. quando for tempo das coisas se desenrolarem, tu deitas tudo cá para fora, o teu olhar voa a mil á hora por cantos impensáveis, a tua voz adquire tons mais altos e mais baixos, perdes a voz, - sentes o coração a bater a toda a velocidade - não pensas no penteado, nem na roupa, não pensas nos teus gestos, - e o coração acelera cada vez mais - e pensas e não pensas, e choras, e a maquilhagem desaparece, e o teu estômago fica solto, a pressão que se fazia sentir sobre ele, desaparece, sorris, não utilizas palavras escolhidas, palavras ternas ou caras, - o teu coração vai veloz - tu balanças o teu corpo para trás e para a frente, apoia-lo de qualquer forma e feitio, e quando dás por ti, estás a proferir as palavras que querias, as palavras que custavam a sair, as palavras que eram impossíveis, as palavras que não sabias se seriam ditas daquela maneira, com aquelas mesmas palavras. o teu corpo estremece. as palavras saem e são um eclipse - amo-te.»

29 Dez. 2008

(City and Colour - Little Hell)

5 de jun. de 2011

asas de cera

Da mesma forma que é sensato suprimirmos parte da nossa humanidade para que consigamos ser felizes mesmo quando, no restante mundo, se sofre atrozmente, parece-me vital, para que se consiga ser feliz, não desejar tudo. Eu sei que ficarmos a meio caminho pode traduzir-se em pouca ambição. No entanto, querermos tudo pode levar-nos a lado nenhum. Durante demasiado tempo desejei o ideal – é assim, é assim que o sonho, é assim que tem de ser. Ou então, nada. Vivi com o nada demasiado tempo, a mastigar o seu vazio, a fechar as mãos sobre ar, a pestanejar no escuro, ao fundo do meu nada, da minha ausência de luz. Agora, conforme cresço, conforme os dilemas da vida vão sendo outros, conforme o tudo, o perfeito, o ideal, se vai afastando, parece-me mais evidente que, para ser feliz – e é só isso que me importa, ser feliz, não no final da minha vida, mas todos os dias, e quero acreditar que todos os dias contribuo um pouco mais para que isso aconteça. Quero sorrir mais amanhã, sorrindo um pouco mais a cada dia. Não quero atrever-me a desejar demasiado alto, porque já caí umas quantas vezes – aliás, caí a cada vez que me esqueci que as minhas asas são de cera, como as de Ícaro. You think you have to want more than you need - society. Não quero voar mais com asas de cera e, se são as únicas que tenho, quero ser bem feliz cá em baixo, na troposfera. Toda a vida está aqui, de qualquer modo. A temperatura vai baixando conforme se afasta do núcleo da terra. E é tão verdade que poucos lá chegam, que poucos são glorificados por isso, que compreendo que seja uma meta a alcançar. No entanto, que felicidade pode trazer a camada mais fria da atmosfera, a mais alta simultaneamente? O calor está cá em baixo, é aqui o meu lugar. E não me adianta sonhar demasiado alto, porque podia trocar tudo isso pela meta final. Quanto às outras coisas, àquelas pelas quais vale a pena lutar… espero que a consciência geral (vulgarmente chamada de “deus”) se recorde de que eu fui crente. Eu acreditei tanto, que dei tudo de mim. Fui ridicularizada, por acreditar. Queimei as asas, ao acreditar, e nunca cheguei sequer perto do sol. É preciso que haja sinais, é preciso que me apresente por escrito o detalhe do itinerário que me sugere, e que me garanta que sobreviverei – que posso com o peso da mala e que não vou sofrer desilusões no final. É preciso que reconheça que eu não lhe virei as costas: eu fui mandada embora quando tudo o que queria era ficar. Por isso, agora é a consciência geral que tem que me vir buscar. Agora, não voltarei a fazer as malas e parto em viagem se a consciência geral não me garantir, por escrito, que há qualquer coisa para mim no final. Recorde-se, por favor, que eu não fico quieta por cobardia, porque a viagem não me assusta, são as horas sozinha que me aterrorizam, e nem sequer são as de ida, mas a de regresso, quando souber que afinal não devia ter ido, que afinal, não havia lá nada para mim. Espero ser uma lição de humildade, é só isso que ambiciono ser. Nem maior que ninguém, nem menor. Se conseguir servir de exemplo a qualquer coisa, se conseguir que se recordem de mim por qualquer coisa assertiva que disse nalgum momento… já é mais do que terei esperado. E para quê queimar as minhas preciosas asas por mais, se as coisas que realmente valem a pena não partem da grandiosidade, mas da despretensão? Quero um lugar ao sol – um lugar singelo, feito à minha medida, não mais, não menos, se possível. E não acho que precise de ser a primeira pessoa a contar do sol a receber a sua luz. É que as minhas asas… se ainda não o disse, são de cera.