23 de mar. de 2012

no escuro

ontem, de madrugada, fui acordada pela luz do modem. foi a primeira vez que fui acordada pela luz azulada do modem. estava virada para a parede e a presença física do modem a violar o escuro da noite chamou-me. ainda não sei explicar - já tentei, mas não consigo - o porquê de, ao voltar-me para essa luz para identificar aquilo que me roubou à paz do sono, ter recebido uma estocada no peito. a saudade ecoou tão alto na minha cabeça que, por um momento, fiquei petrificada, estupidificada, por o modem ter passado para segundo plano na minha insónia, na minha consciência ainda trôpega e, de repente, só existir essa saudade. essa porta fechada. esses braços estendidos para o nada. uma dor tão forte que me pus a soluçar. sem motivo aparente, com o peso da ausência nas minhas costas. não posso contar os dias. não posso fazer-me isso. foi um aperto, uma angústia, um vazio tão grande e enorme que, se o mundo for infinito, eu seria infinitamente um nada só nele. apetece-me estender as mãos nesse nada e puxar-te para mim. na violência desse gesto, as lágrimas brotariam com naturalidade. não há palavras, foram todas usadas e mal empregues. não posso perdoar-te. a dor foi maior do que a de morrer e voltar. não voltei. fiquei no limbo. estou no limbo. a história é pior do que eu penso - paira ao meu redor, sussurra-me. eu não quero ouvir. só de porta fechada posso manter os ruídos longe. as intrigas. os novos pontos que me afundam ainda mais, só não querendo saber posso manter-me à tona. só assim posso abrir a boca em vão para respirar. não que haja ar mas, submersa, teria os pulmões invadidos por água salgada.

a história é tão feia que só um clarão como o de nagasaki lhe conferiria luz.
estou a secar. quero o fim da estrada. quero tanto o fim da estrada...

8 de mar. de 2012

meio dourado, meio lilás, meio azul

A minha hora favorita do dia continua a ser o entardecer. Hoje, especialmente, a tarde começou com o tom dourado das cinco e terminou com um lilás azulado com uma brisa que sabia a verão. Se me permitir sonhar alto, aqui tenho a imagem de tudo o que ambiciono neste momento:
A escrita a sustentar-me: não a sustentar carros nem gasolinas nem casas. Mas a permitir-me comer. E um canto numa aldeia qualquer. E, se pudesse, compraria o verão e tirava folga das palavras aos finais de tarde. Estendia-me numa cama de ferro, por entre a atmosfera abafada, com um qualquer vestido branco. O chilrear dos pássaros lá fora, numa paisagem qualquer rural. Árvores, tem de haver árvores porque, ao contrário das portas, eu não tenho problemas com árvores. Muitas árvores a explodir em verde contra a também explosão azul do céu. Mas calma, isto durante o dia. Porque ao entardecer tem de haver uma mistela de cores indefinível. Branco leitoso a tender para o dourado. Dourado a tender para o alaranjado. Alaranjado a tender para o avermelhado. O avermelhado a tender para o lilás. O lilás a tender para o azul. E queria estender-me sobre uma cama e, sobre essa cama, apenas eu e a colcha fina, também branca e florida, sobre a qual me estendo. E só tenho esse vestido no corpo, e está tanto calor, mal se sente a brisa. Quando se sente, levanta apenas os cabelos mais finos da testa. Sabe a mel, sabe a mundo. Quero que o calor me pique nas têmporas, junto à raiz do cabelo. E no espaço curvado entre o nariz e os lábios. E naquele recanto pequeno, quase inexistente, abaixo do lábio e antes da saliência do queixo, à sombra. E que me pique nas axilas, e erguer os braços sobre a cabeça traga aragem fresca e uma sensação de realização completa. Frescura. Arrefecer o que arde, o que dói. E que também as pernas, nuas, estejam cobertas de uma fina camada de suor, tão fina que não escorre, mas suficientemente aquecida para que, ao mover as pernas, possa também deliciar-me, raiar o êxtase, com a aragem que lhes vem tocar. E, conforme a tonalidade varia para voos mais escuros, conforme o chilrear dará, em breve, lugar à orquestra de grilos, quero que a brisa na minha testa seja mais perceptível. E, assim, serei infinitamente feliz por descobrir ar por entre o sufoco. Nada sabe melhor, neste meu verão inventado, do que descer da cama, já noite, e pousar a planta dos pés, fervente, nas lajes frias do chão. Daquele frio quase morno tão agradável. Neste sonho consciente moro sozinha e, se me rojar no chão, se me rebolar por um bocadinho, se me deixar tolher pela obscuridade de debaixo da cama, ninguém saberá. O telefone não toca. O computador não funciona. Lá fora já é noite. Ninguém me sabe debaixo da cama, como se tivesse voltado a ser criança. Ninguém saberia que, na minha própria casa, me esconderia debaixo da cama.