20 de dez. de 2012

depois

depois de ter conhecido uma certeza tão grande, tenho receio de magoar, de enganar, de iludir, não sei mais nada. pergunto-me se algum dia saberei.

22 de nov. de 2012

How can I forget you
Memories come and go
You’re all I've ever wanted
You’re all I've ever known
Can I be happy
Living with your ghost
The pictures tell the story
I took them off the wall
It’s hard enough to get through
I still can feel the fall
Do you even think of me at all?

I want you 
Only you (repeats)

I could start it over
And find somebody new
A beautiful distraction
Just a hand to hold on to 
But if you ask me
Would that love be true?



19 de nov. de 2012

Goodbye my friend

Did I disappoint you or let you down?
Should I be feeling guilty or let the judges frown?
'Cause I saw the end before we'd begun,
Yes I saw you were blinded and I knew I had won.
So I took what's mine by eternal right.
Took your soul out into the night.
And it may be over but it won't stop there,
I am here for you if you'd only care.
You touched my heart you touched my soul.
You changed my life and all my goals.
And love is blind and that I knew when,
My heart was blinded by you.
I've kissed your lips and held your head.
Shared your dreams and shared your bed.
I know you well, I know your smell.
I've been addicted to you.
Goodbye my lover.
Goodbye my friend. 
You have been the one.
You have been the one for me.
I am a dreamer but when I wake,
You can't break my spirit - it's my dreams you take.
And as you move on, remember me,
Remember us and all we used to be
I've seen you cry, I've seen you smile.
I've watched you sleeping for a while.
I'd be the father of your child.
I'd spend a lifetime with you.
I know your fears and you know mine.
We've had our doubts but now we're fine,
And I love you, I swear that's true.
I cannot live without you.
Goodbye my lover.
Goodbye my friend. 
You have been the one.
You have been the one for me.
And I still hold your hand in mine.
In mine when I'm asleep.
And I will bear my soul in time,
When I'm kneeling at your feet.
Goodbye my lover.
Goodbye my friend.
You have been the one.
You have been the one for me.
I'm so hollow, baby, I'm so hollow.
I'm so, I'm so, I'm so hollow

16 de nov. de 2012

catástrofe

Um holocausto, uma Chernobyl, uma Waterloo, uma Aljubarrota, uma bomba atómica, um 11 de Setembro, um cancro, uma guerra mundial, um genocídio, um fascismo, um Alcácer-Quibir, um Katrina, umas cheias numa região sobre-populada da China, um cometa há 60 milhões de anos, um Pearl Harbour, um 11 de Março, uma invasão da Polónia, um assassinato de arquiduque, uma Lisboa em 1755, uma Revolução Bolchevique, um muro em Berlim ou uma KGB, uma glaciação, uma epidemia de cólera.
foste tu.

 

2 de nov. de 2012

cada escolha uma renúncia

estava no Plateau, que pode ser tido como a minha discoteca favorita (se é que gosto realmente de discotecas), e estavam a dar umas quantas músicas daquelas que falam a uma pessoa, e aguço o ouvido.

But I still haven't found what I'm looking for.

e julgo entender que o meu amor por ti foi o conforto de, num mundo vasto e infinito, ter encontrado o meu lugar. difícil é admitir que, desse mesmo mundo infinito, tenho ainda de extrair o que me pertence. o que foi feito para o meu lado, o meu lugar. 

perguntei-me, inclusive, nos flashs intermitentes das luzes, no balancear das minhas próprias ancas, no ondular dos meus braços, no abrir e fechar dos meus olhos, no meu cabelo que escorrega aos puxos, nos movimentos de quem me rodeia, braços e pernas que se entrelaçam, bocas que se encontram num conforto desconhecido (já agora, que idade tens?) no conteúdo desta letra dos U2, pergunto-me se serias tu o final da linha. pergunto-me se deveria perdoar-te. haverá algo de que absolver-te? não te deverei eu também desculpas? ter-te-ei dilacerado um pouco do que me dilaceraste? quão ... unidos éramos? mas dei-me também conta de que o motivo pelo qual nos remeti ao silêncio, a um silêncio que agora também acarinhas e estimulas, se deveu a um simples facto que repeti incontáveis vezes a mim mesma por entre os tais flashs, notas e balanceares, no inglês que é a língua em que tenho epifânias.

you shattered my dreams - all of my dreams - all in a single gesture;
dreams that, at times, you fed;
dreams that, in general, were me and you.
a whole future of wonders and happinness,
you sent me to outer space, alone,
and you laughed out loud:
what do I care?

How could I forgive you for not being aware of how much you meant to me?

1 de nov. de 2012

sonho

esta noite tive um sonho perturbador, angustiante, que exigiu mais forças do que as de que parecia dispor.

não era eu, era outra pessoa qualquer e vivia numa casa enorme que ainda conseguiria descrever. tinha um jardim com piscina e um terraço. e tinha uma família enorme e mesquinha, complicada, e uma irmã mimada que detestava. a minha mãe era a figura mais forte dali, e também as duas chocávamos apesar do muito que eu precisava da sua aprovação. odiava o meu pai e os homens que iam constantemente lá a casa fazer política com ele e dar-se ares de intelectuais conservadores.

a minha irmã caía de um bicho esquisito, 100% inofensivo, que não existe e que tinha os olhos mais tristes que jamais vi. a minha família declarava-o culpado pela pequena queda da menina, que ficava sobressaltada e humilhada. ela caía na água (era numa praia) e ficava tudo filmado. o animal primeiro fazia uns quantos guinchos a tentar chamar a atenção das pessoas sobre a queda dela e depois, visto que ninguém ouvia, estendia-se na areia ao sol. o desgraçado do bicho a apanhar sol e a minha filha a morrer, era o argumento indignado do meu pai quando regressávamos a casa. E trancafiava o pobre animal numa pequena jaula de coelho (os sonhos são assim, se antes tinha o tamanho de um cavalo e parecia um pequeno dinossauro trapalhão, agora parecia uma pequena foca peluda de olhos tristes). iniciava-se assim a minha luta contra o abate do animal. o tempo arrastava-se com ele fechado no terraço, comigo a ligar a toda a gente para vir acudir-lhe antes que fosse tarde demais. com o meu pai a contar a história nos serões e a ser amplamente apoiado quando dizia que ia abater o animal. e eu interrompia-lhe o convívio, evocada o progresso, einstein e outros filósofos, falava do respeito aos animais como marca de civilização, de humanidade, de civilidade. dizia que a queda da mana não fora tão grande assim, que ela estava era de vaidade ferida. os amigos dele ouviam-me quando dizia que, daqui a alguns anos (estavamos nos anos 20) quando o mundo finalmente se detivesse para pensar nos animais, todos eles seriam tidos como bárbaros. dizia-lhes que deviam abraçar a mudança dos tempos e os novos valores ocidentais. sentia que vivia no século XXI mas estava rodeada de senhores de fato e gravata dos ditos anos 20. e todos com tanto respeito ao meu pai que acabavam por encolher os ombros e ignorar-me. e então vinham elas; as minhas amigas V e V. e eu engendrava um plano improvisado, simples, já que o jantar estava ao lume e a minha mãe saíra. a janela da cozinha dava para o terraço. deixava-as no terraço e pedia-lhes que corressem, que me passassem a gaiola para a janela da cozinha, a poucos passos da porta de saída, e corressem para aí. eu colocar-lhes-ia o bicho nas mãos e elas que fugissem. eu reunir-me-ia a elas assim que pudesse, para decidirmos aonde o deixar, com quem o deixar. para celebrarmos a sua vida. e, nervosa, abria a janela e os meus dedos tremiam. sabia que ia ser severamente punida. já declarara que odiaria para sempre o meu pai e a minha mãe. evoquei, mesmo no sonho, o número de vezes que os denegriria perante os filhos que um dia haveria de ter. tudo porque eram inflexíveis quanto a evitar o desperdício de uma vida. elas diziam que a gaiola não passava. então peguem nele, dêem-mo cá e dêem a volta, corram para a porta antes que alguém venha vigiar as panelas! e era o que faziam. o animal era tão indefeso, e já estava num estado tão mal tratado, quase vegetativo e cheio de fome, que não oferecia qualquer resistência. eu aguardava, com ele enrolado atrás de um avental e de um pano de cozinha, que elas chegassem à porta. metia-o nas mãos delas, sorria e fechava o rosto de nervos. dava um passo para o patamar do prédio e elas julgavam que ia com elas. não, eles iam suspeitar, vão vocês e logo falo convosco para ver onde o pomos. e a porta ia fechar-se mas eu evitava-o no último instante. dizia: adeus queridas, até amanhã. e fechava-a com estrépito. a maldade deles não sabia que todos os meus instantes eram dedicados a tentar salvar o bicho, por isso estendiam-se languidamente no sofá a julgar que eu tinha a cabeça ocupada com futilidades.a minha missão estava cumprida. 

a única cena que se seguiu, no meu sonho, foi a da minha mãe, uma loira altíssima de quarenta e tal anos muito parecida com a vera fisher, chegar a casa com compras e a bufar. quando dava pela falta do animal, incitada pela minha irmã meio histérica, olhava-me longamente. e dava-me uma cabeçada. e eu desmaiava e dava-me conta, ao acordar, da gravidade do que fizera aos olhos de todos eles. 

e pronto, os meus sonhos são assim.

30 de out. de 2012

denouement

as a final act, a final chapter, an epilogue; I'd like to understand. but I have this suspiction that there will never be a satisfying answer to this quest of mine. everything seemed wrong. wrong people, wrong feelings, wrong words. I wish I could go back and respect myself more. I wish I was still on time to promise a silent love, a silent respect, to a man that meant so much... now it's all gone. I feel ridiculous when I think of love. It's like believing in a ghost... I had the most precious of feelings inside me, such a Pandora box, throwing curses at everyone around, consuming me like acid... but at times it glittered like diamonds in the darkest, deepest, sky. and he was there; he was going to be there for an entire lifetime. now how will I explain the world that I didn't give up on a noble pursuit? the noble pursuit turned his back on me. the noble pursuit isn't that noble anymore. one of us was deadly blind... probably, surely me. seeing value in each action of his, seeing kindness and fairness in someone else. it meant the world for me... to experience the comfort of such a good existing soul. nothing's good anymore, he supported the columns of our ruins and, when he left, the temple fell. it's nothing but dirt and clouds. I'm the spirit that only lived to blow through his muscles and bones, to walk side by side with his strengh, to support the temple and the world with our mutual strengh. flesh and bone... and he let it go.

but deep inside I think I know what happened. deep inside I'm pretty sure you had no substance, no idea of where your steps would take you. no idea of the thin line between what you needed and what you wanted. no retrospective sense of sight, no glimpse of your future. you just sat and dreamed, how easy it must've been...

and here I lay, with the echoes of a personal drama. the echoes of a personal chaos. the echoes of a personal calamity. the echoes of a personal tragedy to overcome; as I did with all the others.

why will I have to carry this doubts to my grave?
how could someone be so blind about itself?
how could someone fool others so well?
how could you play me that way?
how could you sleep tight after tearing me apart?
how could you keep stepping and digging on me even after my departure?
how could you become nothing, how could you dare becoming nothing, when I had so good expectations on you?
how could you let yourself slide to less than zero to me?
where did your essence go? I have this slight memory of your smile... is it gone for good?
how did you lose your sparke? did you ever had it or did I just imagined it?
how could you change until you made me be ashamed of ever loving you?

I need a proper denouement for my personal novel.
the knot broke and I don't even see the rope anymore.
where did it all go?


We are now part of an extint civilization. So promissing and yet, what a waste... we failed, we fell.

17 de out. de 2012

How I wish...

We're just two lost souls swimming in a fish bowl...

Hoje ia um maluco, daqueles habituais no Cacilheiro para Lisboa, a cantar este hit dos Pink Floyd alto. Tartamudeava as palavras para ele, numa conversão desajeitada entre o inglês que não domina e o muito que deve ter ouvido, repetidamente, esta canção. Depois de tanto tempo dá na rádio e está a chover. Está a chover e ela traz-me memórias.

Se penso em ti? Só pelo mal. Se tenho saudades tuas? Não. Já não és tu. Se voltasse atrás, nunca me teria deixado prender... Só precisava de ter visto um bocadinho melhor. Mas houve qualquer coisa.... desprendida dos sentimentos, houve qualquer coisa. Houve a certeza que eu tinha, e que não voltarei a ter, de que duas pessoas foram feitas uma para a outra. E houve o mundo e a vida, caprichosos, a separá-las definitivamente. Através de ti, daquilo que ainda acho que foi a tua cegueira, a tua teimosia. Porque teríamos sido invencíveis  juntos. Teríamos batalhado pelo bem, pelo que é genuíno e nobre e justo. Poderíamos ter tornado um pedacinho do mundo num sítio melhor.

E agora?
A vida está vazia para mim. Não te quero, mas eras tu.
Eras tu.

14 de out. de 2012

and I realize...

each and every minute that passes since we went in different directions I realize the loss - the separation - was more needed. thank you universe... for you've always been so right...

but I do miss the person I was and the great capacity of love that I had.


4 de out. de 2012

I miss you

Hoje, conforme caminhava para o trabalho, sorria. Sorria porque está um dia luminoso. A minha melhor amiga faz anos. Estou de t-shirt e é Outubro. Tudo correu bem; estou fresca e um bocado melancólica. E então recordei-me de nós. Sinto-me tão benevolente, tão sólida, tão elegante no meu caminhar sem tristezas nem fraquezas, que me imagino a cruzar os braços e a olhar para ti. (Mas, para funcionar, tens que ficar calado).

Teria de ser em inglês, fica sempre bem e nunca atraiçoa ninguém:

- I miss you. I miss the person you were yesterday. And, for once, I don't love you. But I miss us, such good friends we were... But we did some bad things to each other, didn't we? No, don't answer. The you I miss was silenced by the past. I just wanted you to know that I miss him.


Depois pensei que poderia sentir-me aliviada se o dissesse. Mas tu não ias compreender, pois não? Tantas vezes que te tentei enganar ao fingir já não gostar, já não querer... e agora que é verdade não to posso dizer. Não ias acreditar, pois não? Há um ano atrás - há um exacto ano atrás - eu não acreditaria que te esqueceria jamais. Os nuncas e os sempres sofreram reviravoltas notáveis nos últimos meses...


Mas sabes que mais? Nada disto me aperta ou me incomoda. Não faz mal. Eu escrevo um romance a seu respeito.

No romance vou cruzar os braços e dizer-te,
I miss you.

3 de out. de 2012

#Epifânia - 2

05:30 - Montegordo
  
Entrou no carro sem olhar para trás e ajeitou-se no banco. Passageira, no carro e na vida. Seria levada de regresso a casa e estava indecisa sobre querer chegar de imediato ou desejar que a viagem durasse para sempre. Abraçou os joelhos. A viagem seria longa e penosa mas, depois disso, não haveriam mais viagens como aquela. O dia ainda nem despontara e a neblina tingia o horizonte de um azul-acinzentado, nostálgico. Tinha sede mas a imobilidade que a tomava impedia-a de procurar, na malas previamente colocadas no banco de trás, a garrafa de água. Dois homens despediam-se fora do carro. Junto a um muro de garagem, estavam muito próximos e sussurravam coisas desagradáveis a seu respeito. Acariciou o joelho com o nariz, sentindo que lhe era impossível focar o olhar. Estava perdida. Optara por perder-se. A porta ao seu lado abriu-se com um ruído seco e voltou a fechar-se com rispidez. Um dos dois homens afundou-se no assento do condutor, ajeitando de imediato o cinto. Todo o carro cedeu para a esquerda, equilibrando-se novamente em seguida com um trejeito metálico. Ela não quis olhá-lo, sabia que não haveria meio de gostar do que veria nos seus olhos. Conhecia-os bem. Já se vira neles inúmeras vezes.

Arriscou olhar sobre o ombro para a casa que, lá de trás, na alvorada, reluzia em branco e azul, com rendilhados e uma platibanda tipicamente algarvia. O outro homem aproximou-se do condutor, que dera início ao estremecer do carro ao arranque do motor, e sibilou-lhe mais qualquer coisa. O homem ao volante virou-lhe o rosto. Na noite anterior tinham desferido golpes de punho no rosto do outro. O lábio do condutor exibia uma ferida ensanguentada do tamanho de um agrafo. Ela olhou para a frente, abstraindo-se da existência daqueles dois. Era impreterível esquecer-se da existência daqueles dois. Era suposto terem acordado duas horas depois. Não tinham conseguido dormir. Enterrando o rosto entre os joelhos, perguntou-se se voltaria, algum dia, a dormir.

05:40 - Vila Real de Santo António

O veículo, um Chevrolet Captiva com quatro anos, cinzento-metalizado, imobilizou-se na Avenida da República. Não fosse a atmosfera escurecida e o odor a maré baixa na atmosfera, ela ter-se-ia esquecido de que estava tudo fechado. A cidade dormia, o Cantinho do Marquês estava a horas de abrir e o eco das gaivotas assobiava sobre a chapa do veículo. Ele desceu do carro sem bater com a porta, mas fechou-a no rosto dela e nas perguntas que poderia fazer-lhe.

Ficou a vê-lo afastar-se, passar pelo Hotel Guadiana e imiscuir-se nas transversais que iam dar à Praça do Marquês de Pombal. Mentalmente, via as raias de basalto e calcário que ainda no dia anterior pisara, por entre sol e risos. Palmeiras, nuvens no céu. Anunciavam trinta e cinco graus para esse domingo mas ela sentia um frio novo e inesperado infiltrar-se-lhe nos ossos. Reparou na estátua de mármore branco que ostentava uma ode inflamada ao Guadiana. Era uma dama, certamente, mas quem? Jamais saberia, porque não tinha interesse em regressar ali. Pior do que ser agora odiada, odiava-se. A fealdade por vezes dói, de tão fria, e ela estava quase certa de que não voltaria a olhar-se ao espelho. E com essa associação de ideias fê-lo, na esperança que a badana sobre o lugar do passageiro estivesse fechada, mas não estava. E agora também ela fazia parte do carro. Também o rosto dela estava impresso no espelho com meio palmo do carro. As depressões fundas das suas olheiras, o inchado sob os olhos, outrora tão capazes de cativar. Deus, tinha um ar miserável... E o cabelo? Desfeito, indomável. Tentou metê-lo para trás das orelhas, limpou as pálpebras, fungou. Já chorara bastante, choraria o resto depois.

O cintilar de qualquer coisa na água chamou-lhe a atenção. Ele deixara o carro virado para a marina, Espanha saudava-a e os barcos a motor ondeavam ritmadamente sobre o Guadiana. Abriu a porta por impulso. Ele estava a demorar, não estava? Fechou a porta com a anca sem se dar ao trabalho de retirar a chave para trancar o  Chevrolet. Estava a poucos metros do beiral e foi para lá que se encaminhou. Agarrou a protecção metálica, minuciosamente pintada de branco, dedicou um instante a ler uma das arestas respeitantes à estatua de mármore que ornamentava a frente ribeirinha. Leu qualquer coisa a respeito do esplendor de um céu azul. E então deu atenção às águas do Guadiana, nessa manhã ligeiramente esverdeadas. Apoiou-se melhor na balaustrada, mordeu o lábio e discerniu uma garrafa de plástico que boiava, tocada por uma língua discreta de sol. Era demasiado cedo. Olhou para um lado e para o outro. Olhou para a água novamente. Aquela garrafa era a única coisa que conspurcava a limpidez daquelas águas, a despeito dos motores dos barcos. Olhou para trás, sobre o ombro, prendendo-se firmemente ao frio da protecção. Ele ainda não voltara.


27 de ago. de 2012

quilómetro 26 da A2



A amizade é, de facto, uma coisa maravilhosa. Um pouco subvalorizada, contudo, nas artes e na vida de muitos, que vêm os amigos como uma mão estendida para certas ocasiões. Um amigo é alguém que se imiscui na nossa vida e, em alturas, toma completamente conta dela. Os amigos são espelhos onde nos vemos melhor do que noutro sítio qualquer - já diz a Samantha de "O Sexo e a Cidade". E é tantas vezes difícil vermo-nos nesses olhos que não mentem. Os meus amigos sabem bem quem são e não vão a lado nenhum, hão-de ficar por cá a vida inteira. Dão cor, sabor e alegria à minha vida. Poucos têm a capacidade de nos surpreender pelo melhor; infelizmente, costuma ser o oposto. Geralmente, a vida - pelo menos pelo que tenho experienciado - é um chorrilho de decepções e enganos. Munidos do optimismo e da ingenuidade que nos permite estabelecer alguns laços essenciais (alguns deles desfeitos pela hipocrisia e o desgosto) acabamos por criar algumas ligações inestimáveis. Antes da amizade vem uma única relação: a que temos com nós próprios, e eu sou irremediavelmente apaixonada por mim mesma. Se não soubermos lidar connosco, como poderemos esperar que os outros saibam fazê-lo? Se não tirarmos prazer de nós mesmos, se não nos entretivermos, não nos rirmos de nós próprios, como poderemos jamais entreter a outro? Por outrem a rir? Animar seja o que for na vida doutrem? Mas é também precisa uma sensibilidade acima da média, a fim de que os nossos caprichos não se sobreponham acima das suas questões essenciais, e que ceder a um capricho custe tanto quanto beber um golo de água, porque ver um amigo feliz e sabermo-nos a causa dessa alegria...

Reflectia sobre tudo isto ao quilómetro 26 da A2, sentido Almada. Tudo porque regressei à Tenência, 6 anos depois da partida. Pelo caminho fui com uma grande amiga... tão grande que as nossas vidas andam bem intrincadas desde os nossos dez, onze anos de idade. Sabemos praticamente tudo uma da outra - ainda acho que devemos salvaguardar um pouco de nós para nosso uso exclusivo, a fim de termos uma última camada, que nem os amigos penetram, a dar-nos profundidade. Ela sabe o quão é importante para mim esse recanto. Cheguei a ficar surpreendida por ter interesse em visitá-lo, por aceitar desperdiçar um dia nesse passeio, por se dispor a sermos só as duas da N125 à A2, Portugal de Oeste a Este, de Sul a Norte, por entre xistos e gado, o ouro das planícies e o verde (tantas vezes castigado por cinzas) do interior algarvio. E então estamos a chegar à Tenência, estamos a chegar e entramos na saída que a placa indica. O meu coração dispara. Passaram-se 6 anos e as memórias são agridoces... Tinha tanto imaginado esse regresso... Julguei que choraria, porque aqueles velhotes são como velhos amigos, velhos companheiros de trocas de experiências e histórias de vida. E então ela imobiliza o carro na berma. Um carro passa por nós. Ela diz: queres levar tu o carro? E eu caio das alturas do nervosismo devido à emoção de entender a mensagem. A sério? A sério, sério? É mais ou menos o que eu tinha imaginado, do alto das minhas fraquezas de humana. A simbologia deixa-me estarrecida, fascinada. A vida faz sentido de tantas formas, leva-nos ao sítio certo, no momento certo e na companhia certa... Entrelaça-se em si mesma com floreados poéticos e inesperados, liberdade, regresso, saudade. Peguei no carro e subi, atrás de outro que fazia curvas e contra curvas à minha frente. Mal eu sonhava que, quando regressasse à Tenência, iria ao volante de um carro e com uma amiga ao lado... beyond my wildest dreams. Mal sabia eu que, de todos os dias do ano, seria naquele, e com aquele outro carro à minha frente, que eu regressaria. Não é assim tão over de edge, mas são as pequenas coisas que me fazem mais feliz... Sempre assim foi, o cuidado com os pormenores, os mesmos que compõem uma história. A minha história.

É domingo, penso... é domingo e ele pode vir almoçar à mãe. É domingo e pode ser que o veja, seis anos depois...
E então de repente estou lá em cima - cheguei. O carro que me precede apeia-se à direita e imobiliza-se na berma, à entrada da aldeia. Eu abrando o meu ao passar por esse, de chapa azul-escura. Olho e está feito. As pernas tremem-me quando estaciono o carro no lugar do largo que sei que é dele. Mas ele deteve-se e eu antecipei-me.

Era ele.
Não que ainda me diga coisa alguma, mas... as pernas tremem-me quando removo a chave da ignição.

At last we meet again... six years later.

Fechou-se assim outro capítulo.
Foi tão bom virar a última página...

9 de ago. de 2012

to always love someone

A "I Will Always Love You" da W. Houston pôs-me a reflectir no significado de se amar alguém para sempre. Amar é sempre trágico. Será trágico prometermos amar alguém para sempre apenas para descobrirmos que não somos capazes. É igualmente trágico descobrirmos que somos capazes e a maldição será ainda maior. Eu já me tinha dito que a vida escreveu direito  por linhas tortas. Eu não gosto de coisas efémeras, não gosto de iogurtes com pouco prazo de validade, porque acho que não valem o tempo que se perde e o receio constante de que já esteja azedo enquanto olha para nós do frigorífico. Amar para sempre é falta de respeito para consigo próprio. Uma pessoa esperta luta por si. Uma pessoa com sorte luta por si e, na escaramuça, acaba por salvar o outro. É um doce triunfo, mas raro de alcançar. O provável é que, perante a espingarda, cada um fuja para o lado oposto do cano.

Terei mudado assim tanto? Cresci dez anos nos últimos meses. Podia ser uma das protagonistas dos meus romances, porque elas são geralmente capazes de coisas corajosas, e eu continuo sem ter conhecido alguém mais corajoso do que eu. Quem tem a força de vontade necessária para seguir uma dieta à risca? Quem tem a força de vontade para deixar de fumar de um momento para o outro, sabendo que o último cigarro que fumou nem sequer foi aproveitado como último cigarro? Quem larga o álcool com esta facilidade?

A minha droga, o meu vício, a minha doença, ficou para trás num momento de extrema lucidez que me tomou. Oh... nem todos teriam tido a coragem... mas eu tive. E mais do que isso, por muito que os seus vestígios, nos meus circuitos, me tenham causado uma forte ressaca... nem por um momento - nem por um momento - eu ousei ponderar voltar a fumar desse cigarro. Ninguém teria tido a coragem... Não. Outra/o ter-se-ia arrastado pelo chão. Teria considerado que fora cruel. Oh, como viveria sem o afecto da única pessoa que lhe interessava? Pior ainda! Como viveria sabendo que essa pessoa agora o despreza e detesta e é, inclusive, capaz dos actos mais vis para consigo? Actos que até uma criança de cinco anos teria a consciência suficiente para evitar. Um grão de humanidade que fosse - talvez a criança já tivesse amado um cão e, tendo amado um cão, não causaria mal ao cão que também o amou. Mesmo agora, que o cão já não lhe é útil. 

Apercebi-me que há uma coisa visível, palpável, colorida em torno de algumas pessoas. São almas latentes, pulsantes, um espírito livre e uma aura digna de admiração. Ele não combina com isso. Todo ele era aspereza e raiva contida. Agora ele está bem, com alguém que combina com ele. Eu era uma sonhadora, não tinha nada do cinismo necessário à vida. Tenho alma de artista - digo alma e não talento, é uma coisa da mente e não do corpo - e também isso não combina. Ele tem a sensibilidade de um bloco de xisto.

Tenho alma, pois. 
E isso faz toda a diferença.
Se, em duas pessoas que se amam, uma delas tiver alma 
[- e forem a pessoa certa um para o outro]
 - uma alma tímida nasce também no outro corpo.
Uma nova sensibilidade ao mundo... tornam-se capazes de coisas melhores.
Preocupam-se não só com eles mas com os outros.
Torcem por que o outro seja melhor, e vão sendo também eles melhores.
Se se amam, e isso é certo, fazem os possíveis para todo o resto caminhar também nesse caminho do correcto. Porquê esbofetear um mundo que lhes deu a dádiva da união? Porquê detestar ainda, porquê ansiar por fazer mal ainda? Porquê ter de vencer noutros campos menos limpos ainda? Porquê alimentar hipocrisias quando o universo lhes concedeu a verdade? O genuíno?

Num terreno sem sementes de alma não há alma que nasça, não há vida que vingue.
E isso faz toda a diferença na equação 1 + 1 - o resultado é 0.

8 de ago. de 2012

#0

E então como se esquece a mágoa
e se guarda só o que é bom de guardar?

a cada vez que esta se lembra de dar na rádio parte-se mais qualquer coisa cá dentro.

como é que as pessoas se podem enganar tanto?
acho que fui enganada.

os meus sentidos sofreram uma reviravolta de 180º.

6 de ago. de 2012

a valsa esquecida


«A regra deve ser esta; as pessoas são exageradamente óbvias antes de chegarem a vias de facto e pateticamente óbvias quando a coisa pára - mas enquanto tudo está a acontecer, quando o caso está arrumado e as pessoas agarradas a ele com unhas e dentes, tornam-se tão discretas quanto um ministro com uma conta bancárias nas Ilhas Caimão"

Anne Enright,
Obrigada pelo esclarecimento. 
Ajudou bastante.

2 de ago. de 2012

soube de cor

tenho que deixar de ouvir a Comercial para deixar de levar com a Mafalda Veiga de chofre.

esta noite acordei cheia de calor às 03:50. fitei o tecto e senti um peso já familiar. então recordei-me que me aconteceu uma coisa feia. recordei-me não porque isso me doa, mas porque fiquei assombrada com a facilidade com que consigo virar as costas a quem me magoa mais e com a facilidade com que alguém passou de dizer que me amava e me admirava para viver perfeitamente bem sem mim. somos feitos do mesmo material: um egoísmo tão enraizado que todos os outros parecem descartáveis. perdoo muito - perdoaria tudo - a alguém que soubesse que não voltaria a magoar-me. já o fiz várias vezes. inclusive, talvez ele estranhe que fale tão bem a pessoas com quem choquei a dado momento. falsidade...? não! acima de tudo, não sei fingir. decidi desculpar - o perdão não é uma coisa tão cristã? pois bem, não sou cristã. perdoo para viver melhor no mundo de que disponho. e perdoo - mas não esqueço - porque essas pessoas jamais teriam o poder de me magoar de novo. só por isso. simples, não? é por isso que o perdão está fora de questão no caso dele. não confio em mim em relação a ele. e se me esquecesse? e se, a dado momento, achasse que valia a pena sofrer mais, pior ainda, outra vez? a dor foi tal que pensei em morrer. pensei em exilar-me desta vida. não porque não houvesse mais nada capaz de fazer-me feliz, mas porque a grande fonte de felicidade sólida e genuína de que me valia - a única pessoa em cujas mãos me teria posto de olhos fechados, a única pessoa que julguei que valeria a pena dar a vida por (visto que a sua seria sempre mais útil do que a minha) -, era afinal feita de egoísmo, crueldade, imoralidade e de um desespero tão obscuro quanto o meu, por vezes, era. é um peso incómodo porque é uma mancha escura com o desenho da mesquinhez da natureza humana no meu passado. lembra-me os ardis, as falsidades, os fingimentos de que as pessoas se valem para ser amadas, e o quanto usam os outros como objectos quando correm para os seus próprios afectos. lembra-me que eu tinha jurado amar para sempre mas não pude. o meu amor sobreviveria a tudo, menos a uma descida de carácter por parte dessa pessoa que admirava tanto e que, por vezes, me enchia os olhos de lágrimas de orgulho. estou a ler o "véu pintado" e surge a questão: a Kitty Fane tem um marido médico que a ama e que está disposto a fazer tudo por ela. mas despreza-o: que lhe importa que seja digno de admiração e que seja bondoso e justo? é por um ordinareco que se apaixona. porquê? porque ele é popular, tem um futuro brilhante garantido - não porque seja inteligente, mas porque tem "charme" e as pessoas inteligentes pensam e têm ideias, logo o consulado agradece a mão de alguém que deixe tudo como está. debate-se pelo seu afecto, implora-lhe por carinho, retorno, piedade. trai o marido com ele. para quê? para vê-lo fugir assim que a relação clandestina fica demasiado complicada? só para descobrir que ele mete todos os outros pormenores da sua vida à frente dela? só para descobrir que foi só mais outra que ele usou para se divertir momentaneamente? e então, conforme começa a conhecer melhor o marido e se apercebe do valor que ele tem - e que ela desprezou porque ansiava por aventuras juvenis - diz: como se alguma vez uma mulher tivesse amado um homem pela sua virtude. digo o mesmo dos homens em relação às mulheres. importará sempre mais a gazela que pode escapar-se-lhes da flecha a qualquer momento do que a ovelha que se deixa docilmente caçar. o premiado...

enfim, quando o Walter finalmente a perdoa, é tarde demais. pobre Kitty. pobre Scarlett O'Hara.
a cegueira é uma coisa que a vida nos atira para cima para testar o nosso sentido de orientação; para ver se damos com o caminho mesmo no escuro... não, não faço troça de ninguém.
também eu fui cega durante demasiado tempo, quase um quarto da minha vida desperdiçado. também eu tive um dedo podre! quem sou eu? quem é quem para julgar os infatuados?

oh... parece que terei de viver para sempre com estas sombras a dançarem no meu átrio.

30 de jul. de 2012

so what?

I'm happy now

tempo perdido

Ontem fumei um cigarro sentada com a minha irmã à luz parda da lâmpada do quintal. Ela tinha esta música no mp3 (Cada Lugar Teu), ela sabe a história desta música. Mudou-a depressa mas não tão rápido que eu não me desse conta de que a ouve. O pesar nos olhos dela esclareceu-me para o facto de que também está de luto por mim, por nós. Oh sim, ela diz que tem pena de ti. Tem pena que tenhas sido estúpido e tem pena que eu tenha virado as costas à nossa amizade. Eu murmurei, meio distraída: "ainda não sei como tive coragem". Mas a coragem é precisamente escolher o caminho mais difícil, ir contra aquilo que nos custa, por um bem maior. E eu salvei-me, não foi? Eu salvei-me da humilhação, da dor e da repulsa que me terias causado com aquilo que és agora, com a tristeza que és agora - you're making a fool of yourself, a blind and hopeless fool - se não tivesse fechado a porta atempadamente.  O teu tipo de egoísmo é de uma natureza cruel e quase imoral, não importa nada, pois não? Há uma vida que dizias que te punhas acima de tudo o resto. Mas eu julguei que fosses tu armado em durão, até porque dizias tantas outras coisas que agora se revelaram mentira...! Como é curioso ver-te a correr, tão embrenhado, para tudo aquilo que criticavas e condenavas! És daquela espécie que desdenha porque quer comprar. Aposto que agora nada daquilo que criticavas te importa mais, não é? As mulheres já não são umas mulas porcas, têm direito a ter-se divertido à grande. Já não são umas manipuladoras que contam tudo aos amigos. Já não são o diabo de saias, a seduzir pobres inocentes. Já não importa que gastem muito dinheiro em roupa ou que tenham apetrechos topo de gama. Também já não são umas idiotas por perderem demasiado tempo com a televisão ou filmes. 

Pela primeira vez na vida agradeço a dádiva da visão. Apercebi-me das cicatrizes que deixaste em mim. Cinco anos que descartaste num único momento (e que abençoado momento!) - eu fechei a porta primeiro e definitivamente, é preciso recordar -, que te valeu uma varredura para fora do meu abrigo. Pensei que ficaria destruída, Chernobyl, sim, mas renasci. Renasci rápido por cima das cinzas, afinal sou de fogo, não é? Foi uma ventania que quase me extinguiu, mas eu renasci mais forte ainda. A vida tem soprado bastante na minha direcção ultimamente. Estou realizada a vários níveis quando, antes, só conhecia a frustração. Pensei que, quando isso acabasse, eu ia estar tão magoada que ia meter na cabeça que jamais amaria alguém de novo. Estava enganada. Eu cresci perto de homens moles que pouco valem e agarrei-me ao primeiro que tinha um laivo de energia, uma centelha de brilhantismo que fosse. Mas sabes o que é que concluí? Que nem tu és mais forte do que eu. Não, se houvesse um terramoto eu levantar-nos-ia, não tu. Eu sou de granito e tu de pedra-pomes. Tens mais discurso do que qualquer outra coisa e és tão sensato e tão flexível e manipulável quanto qualquer outro tolo. O caminho que tomaste - o modo como escolhes percorrê-lo -, reafirma esta minha certeza. Eu vou precisar de diamante - não pelo seu valor, mas pela sua dureza. Sim, vou precisar disso para que, quando os meus punhos lhe baterem no peito, ele não quebre. Não dobre, não amoleça. É engraçado ver as mudanças que se operaram em ti. Foi água dura em pedra mole. Furaste. Como é que a minha mãe dizia...? Banana, é isso.

Tanta gente me viu dar voltas nesta roleta russa, jurar o meu amor eterno, dispensar a minha vida, sacrificar a minha felicidade, aceitar bofetada atrás de bofetada - porco, sacana - na esperança de um dia... um dia o quê? Há homens mais avisados do que aquele. Homens mais firmes, mais razoáveis e sensatos. Há homens com mais astúcia, menos volúveis. Menos cegos. Homens que poderiam ser guerreiros a meu lado, que saibam o que é vida, o que é luta e o que é luta de vida. Há homens mais inteligentes, mais cultos. Perdi-me durante tanto tempo porque ele era o mais isto tudo que conhecia - e até o contrário já me provei. Não muito longe, até. Mas o mundo é grande, o mundo é enorme. Mas este gosta mesmo é de tentar cingir sabão. Gosta de pensar que a qualquer momento lhe escorrega. Porquê? Perguntei, e ela respondeu: Para sentir que é o premiado. Realmente, eu era garantida. Eu ia estar lá para sempre. Desde que não me batesse, não me traísse, não me destruísse, eu ia estar lá sempre, não iria a lado nenhum. O bem estar dele seria sempre mais importante do que o meu. Os meus olhos não sairiam dos dele. Ele seria o Sol no centro da minha galáxia. Para o bem e para o mal - eu teria posto o meu peito à frente da bala. Talvez isso fosse qualquer coisa de demasiado precioso para o Universo pôr nas mãos dele. Guardo-o em mim para quem, um dia, vier a merecê-lo realmente.

Há dois dias, sentada nas minhas escadas às cinco horas da manhã, alguém olhou para mim, para o fundo de mim e perguntou, com o interesse genuíno de quem me viu sofrer tanto:
- Sempre pensei que, não agora, mas um dia mais tarde, tu e ele ficassem juntos. Mas depois disto nem sequer porias a hipótese...não é?
E eu já estou a abanar a cabeça a meio, já estou a sorrir com determinação. Digo, com mais certeza do que alguma vez tive na vida:
- Não, nem pensar. O que me fez não tem perdão. Além de que a pessoa em que se tornou não me interessa para nada. Depois já não o amo, já não gosto dele como pessoa, sequer. (a carga benigna que lhe associava é agora uma nuvem negra e incomodativa que, felizmente, não me custa muito a ignorar). Nunca, o Universo escreveu bem esta história, salvou-me do pior.

Lamento ter magoado tanta gente em meu redor. Magoei sim, não sabias? O meu amor era tão grande e tão bonito que havia uma corrente de boa-vontade ao meu redor. Oh, os românticos provavelmente acreditavam que, se isto funcionasse, então essas tretas todas sobre lutar pelo amor valiam a pena. Teria sido um triunfo estrondoso. Haveria sorrisos e uma corrente generalizada de simpatia e de piadas sobre o nosso casamento e os nossos filhos. Haveria imensa gente a dizer "sempre soube!" e haveria piadas a respeito das muitas lágrimas que deixei cair. Inclusive a pessoa mais improvável que possas imaginar, que em tempos disse que eu e tu tínhamos sido feitos um para o outro, se a história tivesse sido diferente, diria "eu sabia!". A minha avó ia chorar de alegria - por seres tu, depois de tantos episódios da novela. A minha irmã idem. As minhas amigas - mal posso imaginar, se tiveram os olhos inundados de lágrimas quando despejaste o teu novo estado em cima delas com ruídos de salivas e bocas a enrolarem-se - os olhos delas em mim! eu a rir e elas de lágrimas nos olhos! - teriam pulado de alegria, ter-nos iam pago um copo. O meu avô teria gostado de ti - não de ti hoje, mas do ti que eras antes de dezembro do ano passado. O idiota do meu pai faria observações a respeito de seres baixo. Eu ia defender-te e ofendê-lo com o facto de que a altura nunca fez um homem. A Ana ia divertir-te - é uma miúda inteligente. Íamos viajar juntos - eu arrastava-te se não te apetecesse, haveríamos de fazer muitas caminhadas, também. Havia tantas potencialidades - foi sempre isso que me magoou, o muito que poderíamos ter subido, eu puxaria por ti e tu puxarias por mim e não haveria horas mortas nem inactividade. Íamos acompanhar a conversa um do outro - eu não ia bocejar nem revirar os olhos nem acenar afirmativamente com o olhar lá longe enquanto falasses - e um olhar bastaria para que comunicássemos a nossa opinião sobre qualquer asserção de um terceiro. Haveria, sim, desenvolvimento constante, troca constante de conhecimentos. Quando acabasse, se acabasse, seríamos ambos pessoas muito mais ricas e teria valido necessariamente a pena.

Ou então não.
Porque isso das viagens e do trekking e quês já diz respeito à pessoa que sou agora. Quando havias tu eu só te via a ti, não iria a lado nenhum, ia bastar-me a sombra de um plátano lá na velha rua. Provavelmente não sairia da cepa torta, mais preocupada contigo do que comigo, com a tua satisfação do que com a minha. Com estar contigo do que com estar com o mundo.

Mas então eu lembro-me que...

Essa história não é a minha, eu mereço uma melhor.
Espero que o Universo se tenha sentado e a tenha escrito em moldes de luz, clarividência e honestidade. 

PS : o Tarot mudou as cartas que nos representam.

22 de jul. de 2012

it takes time to be a man

jesus,
he's such an ugly person
selfish
childish
stubborn
how come you made me walk through such a long track... with blind eyes?

thanks for helping me kick those doors.

12 de jul. de 2012

tudo o que nos demos

«diz-me que vais guardar e abraçar tudo o que eu te dei».

Esta letra foi uma premonição, não foi?
Parece que já sabias e que estavas a dar-me um último abraço, ao ouvido, numa noite em que tantos já se tinham ido deitar. Mas já havia pontes entre nós, daquelas intransponível, não havia? Estavas só a gritar-me do outro lado da falésia...

Eu guardei. Prometo-te que guardei.
Mas tinha que ser assim, faz mais sentido assim.

Mas eu guardei, está bem?
Fica guardado.

Houve um momento no tempo em que tudo foi possível,
tudo foi real. O momento foi efémero, nós também somos, também fomos efémeros.
Gozo agora esta doce morte de ter renascido para uma nova vida.

Ficamos com esta, então.
Foste tu que escolheste.
Por vezes foi tão bonito...

Eu guardei.
Fechei a porta e guardei.

Já foi...
não me dói.
É só um capítulo encerrado,
com a nostalgia dos capítulos encerrados.

«Sei de cor cada lugar teu
atado em mim, a cada lugar meu
tento entender o rumo que a vida nos faz tomar
tento esquecer a mágoa
guardar só o que é bom de guardar
Pensa em mim, protege o que eu te dou
Eu penso em ti e dou-te o que de melhor eu sou
sem ter defesas que me façam falhar
nesse lugar mais dentro
onde só chega quem não tem medo de naufragar
Fica em mim que hoje o tempo dói
como se arrancassem tudo o que já foi
e até o que virá e até o que eu sonhei
diz-me que vais guardar e abraçar
tudo o que eu te dei
Mesmo que a vida mude os nossos sentidos
e o mundo nos leve pra longe de nós
e que um dia o tempo pareça perdido
e tudo se desfaça num gesto só
Eu vou guardar cada lugar teu
ancorado em cada lugar meu
e hoje apenas isso me faz acreditar
que eu vou chegar contigo
onde só chega quem não tem medo de naufragar»

10 de jul. de 2012

promessa de chuva

No domingo, quando parti de Mirandela em direcção a Lisboa, fiquei boquiaberta ao chegar acima de Lamego. Sem aviso, os montes distendidos e salpicados de verde - oliveiras, alecrim, pinheiros - abriram-se em vales escarpados nas margens do rio Douro. Ao fundo dos vales, que entontecem de tão altos, multiplicam-se pequenas pontes que, à distância, vistas cá de cima, parecem pecinhas de lego, qualquer coisa de brincar. E os socalcos, vale acima, encosta direita, encosta esquerda, protegidos por amuradas de xisto, e as vinhas a cintilar de verde vivo - verde vida - precipitadas sobre os reflexos do céu na água... Sustive a respiração durante longos momentos, fiquei estupefacta. Depois pus-me a reflectir (quando a paisagem ficou para trás e pude , de facto, pensar) sobre a minha pretensão de julgar já ter visto muito só porque mal paro em casa. Dei-me então conta de que ainda não vi nada, e de que o mundo é extenso, quase infinito para as pernas - as forças - e os recursos - tempo, dinheiro - de que o comum dos mortais dispõe. Por isso, se aos 22 anos sou agraciada com a dádiva que é contemplar as paisagens do Douro vinhateiro, fico comovida e falta-me o ar e considero-me uma privilegiada. O que é o Douro comparado com o Gran Canyon? Mas o que é o Chafariz de Almada comparado com o Douro? Degrau a degrau, vale acima, estou mais perto da realização. 

Ao chegar, a tardias horas, à estação ferroviária de Sete Rios, conheci uma jovem de 20 anos, mas tão sábia que foi óbvio que a vida revolve com mais intensidade ao seu redor. As nossas almas entenderam-se de imediato e foi com naturalidade que nos pusemos a discursar sobre as vidas de cada uma, as crenças, as lutas, os gostos lá ao fundo, em segundo plano. O Alquimista e viver a vida com a colher de óleo na mão, sem derramar o seu conteúdo e sem deixar de ver o que se expande em redor. Estou a viver a vida e a carregar a colher de óleo, e nunca me movi em tamanha harmonia. Tudo parece encaixar-se graciosamente na outra metade - o equilíbrio entre alegrias e tristezas é perfeito, não há oscilações, nem elevações abruptas nem quedas a pique. I'll keep holding on... Está a dar na rádio, não digo que é tudo perfeito agora? Eu não espero por nada. Eu não quero nada. Retiro prazer daquilo que a vida estende à minha frente, para que eu colha na medida do meu ânimo. I wasted all of those years... Oh, eu dancei num campo infértil durante tanto tempo, tudo por uma mera promessa de chuva... Ia morrer à sede no deserto quando acordei e corri para o primeiro curso de água, para o primeiro oásis... oh, atravessei meio país e de súbito as dunas ficaram para trás, a aridez das suas ondulações deixaram-me, e o verde explodiu em frescura e vitalidade. 

Mas não estou cega, vejo melhor do que nunca. O coração humano... tão facilmente corrompido, a mente humana, tão facilmente manipulada. O corpo humano... tão limitado e tão dado a imprudências... Mudanças de direcção são possíveis com um simples sopro, um simples bater de asas de uma borboleta - quem diria que temos tanto poder sobre as vidas dos outros? Só almejo, neste momento, poder sobre a minha. Não quero poder criar nem destruir. Não, quero sentar-me num afluente do Douro e deixar a água correr livremente, límpida, por sobre mim, sob mim, em redor de mim, na corrida imparável do seu curso. Sob a ponte, em redor das outras formações rochosas, rio abaixo, vida afora.
Quero o campo, oh vida, dá-me essa oportunidade. Quero o campo.
Não quero promessas de chuva:
quero sentar-me bem no centro do rio.

4 de jul. de 2012

brilhos ocultos

Finalmente estou a tornar-me aquilo que sempre deveria ter sido. Longe dos sonhos da infância, das infantilidades. A alquimia em mim mistura tolerância com firmeza, irresponsabilidade com sorte, falhanços com alegria natural. Gosto que gostem de mim, coisa que não fazia questão anteriormente. Tinha receio que se prendessem a mim, que me prendessem a si. Agora flutuo nessas correntes, afrouxo-as e cinjo-as conforme me apetece. Nunca fui tão fiel a mim mesma - ao que quero, aonde vou, o que faço. Nunca ri tanto e tão genuinamente. Nunca estive tão completa, tão preenchida, tão activa. Nunca tive tanto orgulho em mim mesma, na C. que sai da cama às 06:00, toma banho, engole um pequeno-almoço à pressa, corre avenida acima até ao banco, não esmurra a máquina que não funciona e corre avenida abaixo ao sabor da The Arrival of the Birds, da Cinematic Orchestra. Tenho uma simpatia nova por esta jovem mulher - de cabelo indomável, Jesus! - que agora sou, esta mulher que mete o instrutor de condução de bom humor às sete da manhã, e que descobre que talvez conduza melhor do que muitos homens. Estou satisfeita por ter os pés na terra quando nunca fui tão admirada - nunca tive tantas atenções masculinas e, curiosamente, nunca estive tão bem sozinha. Sem ânsias, sem vontade de partilhar seja o que for com o sexo oposto.  Gosto, sim, gosto muito, desta rapariga de 22 anos que pede um pão com manteiga ao balcão daquela que considera a melhor pastelaria de Almada - tartelettes de limão, tarte de lima, fofo de chocolate, éclairsdonuts, semifrio de bolacha, queijadas... - Um pão com manteiga, por favor. Nunca tive a vida tão excepcionalmente organizada.


E tenho passeado tanto e descoberto tantas coisas, convivido tanto com pessoas magníficas, notáveis, amorosas, de alma e coração puros... Julguei que essas se tivessem esgotado, apenas porque todas as que julguei de bem resvalaram para o outro lado. As pessoas são capazes de tanta coisa... São capazes de sorrir àqueles que, sabem de antemão, se preparam para abocanhar... Lobos, o mundo está cheio de lobos. Mentirosos, manipuladores, dissimulados. Mas os castelos de cartas hão de cair e eu, nas entrelinhas, estou tomada de paz. As minha cartas repousam, tranquilamente, na sua caixinha de madeira. Respeito-as demasiado para lhes fazer mais perguntas agora que já me deram todas as respostas. A minha carta, a cada vez que a minha avó perguntava pelo meu futuro ou que eu mesma o fazia, era a XVII - A Estrela. Entrega, amor puro, desapego e, no inverso, tristeza. A cada vez que alguém perguntou, a respeito da minha felicidade futura, ou eu mesma o indaguei, a Estrela virou-se e fitou-me. Tristeza. Agora deixou de sair essa carta, tem saído outra a meu respeito. A tristeza já passou. Não vou voltar a perguntar se serei feliz, pelo simples motivo que não se incomoda as cartas com perguntas cuja resposta já conhecemos. E eu sei, oh se sei, a resposta a essa pergunta.

Eu serei estupidamente feliz, porque o bater das minhas asas mudou abruptamente de rumo... a minha carta nova é a III - A Imperatriz, força, realização, sabedoria, beleza (interior, espero). Gosto do facto de, nos baralhos tradicionais, ser representada com uma serpente - o meu animal do zodíaco chinês, a própria personificação animal da mulher. No meu baralho das Mil e Uma Noites,  a carta é qualquer coisa de majestosa. E eu continuo a acreditar em brilhos ocultos, sob o manto exterior...

28 de jun. de 2012

valentim

o horror do mundo é uns dependerem de outros para serem felizes.
o horror do mundo é que uns sejam criaturas ditas "superiores" e outros necessitem desses para andar para a frente. pobre Valentim, despeitado pelos superiores...

há dias foi divulgado no facebook um artigo a respeito de um gatinho chamado Valentim, abandonado no gatil do Seixal no dia 14 de Fevereiro. foi amor à primeira vista... só consigo pensar no Valentim, mas pessoas que tiveram de o abandonar e nos seus motivos e, sobretudo, se há forma de o fazer feliz de novo. hoje decidi que vou tentar: vou buscá-lo, se ainda ninguém o tiver feito.

eu sei o que é ser abandonado, traído, destruído e esborrachado por aqueles em quem confiámos. eu sei como é que ele se sente, porque para estar deprimido é porque sente. está a morrer de depressão, tem um problema de coração, diz o artigo. não se mexe, não tem alegria de viver. oh Valentim, mesmo que os gatos não pensem nem disponham de memória, a solidão, o abandono e a traição - o desgosto, a desconfiança, a vertigem do tapete puxado de debaixo de ti - deve ser algo palpável, intuitivo, um selo, uma estampa colada a ti. e imagina quem tem memória e repassa, centenas de vezes em mente... as sensações, as promessas, os cheiros, os beijos (na mão, na testa, no rosto, no peito, na boca), os abraços, os sussurros, as garantias de "estarei lá sempre", a harmonia e a união total e completa de duas almas num breve instante que se diluiu em camadas inferiores, e até então desconhecidas, da natureza humana...

oh, ainda bem que não te lembras, Valentim, ou a dor trespassar-te-ia de vez. mas se quem tem memória continua, tu vais continuar também.

ofereço-te uma irmã esperta e amorosa, outra que também velará por ti, uma avó com um colo generoso e até o meu amor - à distância, porque eu só sei amar à distância, só sei amar quem é indefeso, porque todos os outros aproveitaram-se da minha própria falta de armas, por longe que eu esteja de andar desarmada. havia quem me desarmasse com um sorriso.

eu vou amar-te, porque não terás forma de me fazer mal.
eu vou proteger-te, porque não terás obrigação alguma de me proteger a mim.
eu vou fazer-te feliz, porque não há meio de me decepcionares.

espero que ainda estejas aí, 
Valentim.

PS - O Valentim já tinha sido dado a outra família...
02/07/2012


21 de jun. de 2012

one simple question, one simple answer

why?
card number VI
"the lovers"; test, choice, harmonious relationships, love-related indecision, unfaithfulness


oh yes, I see what you did there.
Ps: You didn't have to stoop so low.

18 de jun. de 2012

entroncamento; sigo em frente

Desde pequena que o único tipo de amor que faz sentido para mim é aquele que acontece uma vez na vida. Não faz sentido a troca por troca, isso é coisa de jovens, mas também é coisa de quem não se conhece a si próprio e de quem gosta de aproveitar momentos, mais do que a vida. O problema, em grande parte, é certamente meu. Sim, meu. Em parte porque não nasci com um metro e setenta e copa 38, em parte porque deve ser óbvio que aventuras não são comigo. Não que não as tenha vivido, até aqui - ou que tenha regras pessoais que me impeçam de vivê-las no futuro -, mas uma coisa é "uma aventura", e a bem que "aventuras" faz das pessoas coisas que eu cá sei. Outra coisa é amor, fingir amor. Isso não poderia fazer.

Fingir amor, nos enredos da vida a que tenho tido acesso, dá desgraças maiores e cicatrizes indisfarçáveis, eternas. Fingir amor é a humilhação total para consigo próprio e a maior das mentiras para com os outros. Ainda para mais, quando o amor é uma coisa que se , que faz das pessoas melhores, que lhes confere uma nova leveza, uma nova aura. Duas pessoas boas levam-se pela mão a coisas melhores. 

Sempre fiz mais sentido com os braços a solto do que com um apêndice a meu lado. É por isso que te peço desculpa se ficamos por aqui. Está a tocar o teu Bruce, faz algum sentido. Mas quero que saibas que és inteligente, perspicaz, simpático e honesto. Gostei da tua humildade quando confessaste que não és nenhum bad boy. Mas não consigo levar-me a coisas que devem acontecer com naturalidade... Não posso obrigar-me a amar, não posso obrigar-me a conviver com pessoas que escusam de vir ocupar lugares na minha vida que, a mal ou a bem, hão-de desocupar. Se desconfiar que te vais embora, eu saio primeiro. Não quero entras e sais. Daqui por diante quem tem que estar dentro já está, quem saiu pelo seu pé já não entra e quem foi expulso nem pode assomar à janela.

Já amei, já me arrependi e não voltarei a amar. É uma decisão minha, assim como foi escolha minha ter amado antes - ter dado tanto, ou ter estado disposta a dar tudo, antes. Como disse em divagações anteriores, não sei amar poucochinho. Não preciso de ninguém para passar o tempo porque, felizmente, entretenho-me bem sozinha. Também não pus a minha racionalidade totalmente de lado a favor de expedições carnais, por isso nunca estarei disposta a trocar a minha liberdade nem dignidade por umas "curvas". Muito menos a "aturar o porco por causa do chouriço". Não faria isso com um homem, e se ele tivesse o mínimo de inteligência veria em dois minutos a minha ausência de afecto por ele, porque ainda não aprendi a esconder emoções nem sentimentos. Mas tenho-me esforçado porque, se transmitir despeito, desprezo, amargura, vou causar destruições maiores, e eu quero os cacos só para mim, a fim de apanhá-los aos punhados e os atirar ribanceira abaixo, mar adentro, fogo acima.

Houve um momento em que me autorizei a amar e agora fechei a cancela. Esse campo é uma Chernobyl na minha alma, uma Pompeia fossilizada. Houve uma explosão nuclear, ardeu tudo, ficou sob chamas, sob cinzas, estático e gélido, agora é simples amargo de boca. Foi um puzzle, sabes? Não entendi nada e foi por isso que fui ficando, a ver se, no final, alguma coisa faria sentido. Não fez, acreditas? Agora imagino que tenhamos sido o mais feia que uma pessoa pode ser para a outra, porque tudo o que eu tinha de bom em mim, a seu respeito, resvalou para um nada absoluto e vergonhoso, que me pôs um peso sem medida no peito. Prisão, devemos ter sido uma prisão um para o outro, ambos com o seu quê de culpa - ah sim, porque eu não construí castelos totalmente no ar... os acessos eram sólidos, o palácio é que não existia. Fartei-me de subir escadas que davam a mais escadas e que iam dar a nenhures. 

Um dia a vida trata da retribuição, pelo menos ao nível a que me magoou. Eu não moveria uma palha nesse sentido. Não, porque a vida escreve certo por linhas tortas, e eu prefiro confiar nisso. Que direito terei eu, dia algum da minha vida, de me vingar de quem quer que me tenha feito mal? Oh, Edmond Dantès, depois do que te fizeram, não estavas tu no direito de te regojizar da infelicidade dos teus traidores? Daqueles a quem ficaste a dever anos de vida? Não serias um tolo se, podendo, tivesses continuado a preferir deixá-los seguir o curso mesquinho das suas miseráveis vidas? Mas eu, que te exalto e admiro, fio-me no destino para esses propósitos. Não seria jamais capaz de conspurcar a minha alma para dar lições a quem caminhou sobre os outros e fez deles bonecos. Eu ter-lhe-ia desejado felicidades, eu era esse género de pessoa. Mas ele portou-se mal, portou-se sempre mal comigo, fingiu ser o que não era, fugiu a tudo o que deveria ter sido. Há formas e formas de se cometer um crime, de se causar dor... ricochete é a pior.


Para mim, amar é aquilo que acontece quando alguém entra num banco para um assalto e as duas pessoas que se amam, independentemente do que sejam uma para a outra, sobrepõem o seu corpo ao do objecto amado. Isto porque uma bala a furar a pele do outro doeria mais do que na sua. Ou a perda do outro seria mais intolerável do que a de si próprio. Qualquer coisa que fuja a isto é fantochada. Quaisquer duas pessoas que dêem as mãos, mas não a vida, à outra, são actores de revista. É por isso que as minhas mãos hão-de andar vazias - e não porque seja difícil encontrar-se alguém, porque alguéns há-os aos pontapés nas esquinas para quem estiver disposto a esses desrespeitos próprios e a esses teatros de rua. Além do mais, nunca precisaria de ver o meu valor reconhecido pelos olhos de um terceiro; eu e os meus amores bastamo-nos. 

Assim saberei a vida inteira que sou capaz de amar - não sou como aquelas pessoas que nasceram com um défice nesse sentido, e que marcham ao lado de outras enquanto a outra não decide virar para a esquerda e que, ao prosseguir em frente, nem um olhar dedicam atrás. A menos que me magoem, que me pisem propositadamente, eu olharei para trás e irei lá buscar o que me era querido. Viro à esquerda com os meus amigos, mas homem algum deterá poder sobre mim ou voltará a desviar-me um passo que seja da felicidade de que gozo, com tanta plenitude, a sós. Só posso confiar na minha capacidade de escolhas... 

Não poderia nunca amar alguém cuja inteligência não me acompanhasse.
Não poderia nunca amar alguém que não saiba diferenciar o 1 de Dezembro do 5 de Outubro, ou que julgasse que o Che Guevara e o Hitler eram colegas de curso. 
Não poderia nunca amar alguém que, vendo outros em baixo, não se distanciasse do seu caminho para os ajudar.
Não poderia nunca amar alguém que encontre graça nos infortúnios alheios de inocentes.
Não poderia nunca amar alguém que cale o troco a mais que recebeu.
Não poderia nunca amar alguém cujo sonho de vida se prendesse com materialismos e não com a matéria dos sonhos.
Não poderia nunca amar alguém que viva de aparências e que desconheça os verdadeiros desafios da vida.
Não poderia nunca amar alguém sem sentido de humor, alguém que não soubesse fazer-me rir, e eu até rio com facilidade.
Não poderia nunca amar alguém cujo caminho até aqui fosse aberto por ombros de outrem, ao colo doutrem, à custa doutrem.
Não poderia nunca amar alguém incapaz de chorar - tem coração ou vive de absorver tudo na camada externa da derme?
Não poderia nunca amar alguém que, podendo ter iniciativa, deixasse aos outros a responsabilidade de tomar decisões.
É por isso que sei que não voltarei a amar.

Mas... como pude eu amar alguém que jogava cinzas em rosas, rosas com as quais me limpavam, literalmente, as lágrimas desse amor?


A saliva que eu gastei... para nada.
I gave you all the love I got

I gave you more than I could give

I gave you love
I gave you all that I have inside
And you took my love, you took my love

Didn't I tell you what I believe
Somebody say that
A love like that won't last
Didn't I give you
All that I've got to give, baby

I gave you all the love I got
I gave you more than I could give
I gave you love
I gave you all that I have inside
And you took my love, you took my love

I keep crying, I keep trying for you
There's nothing like you and I, baby

This is no ordinary love
No ordinary love
This is no ordinary love
No ordinary love

When you came my way
You brightened everyday
With your sweet smile

Didn't I tell you what I believe
Did somebody say that
A love like that won't last
Didn't I give you
All that I've got to give, baby

This is no ordinary love
No ordinary love
This is no ordinary love
No ordinary love

I keep crying, I keep trying for you
There's nothing like you and I baby

This is no ordinary love
No ordinary love
This is no ordinary love
No ordinary love

Keep trying for you
Keep crying for you
Keep flying for you
Keep flying I'm falling
I'm falling

Keep trying for you
Keep crying for you
Keep flying for you
Keep flying I'm falling
I'm falling