A "I Will Always Love You" da W. Houston pôs-me a reflectir no significado de se amar alguém para sempre. Amar é sempre trágico. Será trágico prometermos amar alguém para sempre apenas para descobrirmos que não somos capazes. É igualmente trágico descobrirmos que somos capazes e a maldição será ainda maior. Eu já me tinha dito que a vida escreveu direito por linhas tortas. Eu não gosto de coisas efémeras, não gosto de iogurtes com pouco prazo de validade, porque acho que não valem o tempo que se perde e o receio constante de que já esteja azedo enquanto olha para nós do frigorífico. Amar para sempre é falta de respeito para consigo próprio. Uma pessoa esperta luta por si. Uma pessoa com sorte luta por si e, na escaramuça, acaba por salvar o outro. É um doce triunfo, mas raro de alcançar. O provável é que, perante a espingarda, cada um fuja para o lado oposto do cano.
Terei mudado assim tanto? Cresci dez anos nos últimos meses. Podia ser uma das protagonistas dos meus romances, porque elas são geralmente capazes de coisas corajosas, e eu continuo sem ter conhecido alguém mais corajoso do que eu. Quem tem a força de vontade necessária para seguir uma dieta à risca? Quem tem a força de vontade para deixar de fumar de um momento para o outro, sabendo que o último cigarro que fumou nem sequer foi aproveitado como último cigarro? Quem larga o álcool com esta facilidade?
A minha droga, o meu vício, a minha doença, ficou para trás num momento de extrema lucidez que me tomou. Oh... nem todos teriam tido a coragem... mas eu tive. E mais do que isso, por muito que os seus vestígios, nos meus circuitos, me tenham causado uma forte ressaca... nem por um momento - nem por um momento - eu ousei ponderar voltar a fumar desse cigarro. Ninguém teria tido a coragem... Não. Outra/o ter-se-ia arrastado pelo chão. Teria considerado que fora cruel. Oh, como viveria sem o afecto da única pessoa que lhe interessava? Pior ainda! Como viveria sabendo que essa pessoa agora o despreza e detesta e é, inclusive, capaz dos actos mais vis para consigo? Actos que até uma criança de cinco anos teria a consciência suficiente para evitar. Um grão de humanidade que fosse - talvez a criança já tivesse amado um cão e, tendo amado um cão, não causaria mal ao cão que também o amou. Mesmo agora, que o cão já não lhe é útil.
Apercebi-me que há uma coisa visível, palpável, colorida em torno de algumas pessoas. São almas latentes, pulsantes, um espírito livre e uma aura digna de admiração. Ele não combina com isso. Todo ele era aspereza e raiva contida. Agora ele está bem, com alguém que combina com ele. Eu era uma sonhadora, não tinha nada do cinismo necessário à vida. Tenho alma de artista - digo alma e não talento, é uma coisa da mente e não do corpo - e também isso não combina. Ele tem a sensibilidade de um bloco de xisto.
Tenho alma, pois.
E isso faz toda a diferença.
Se, em duas pessoas que se amam, uma delas tiver alma
[- e forem a pessoa certa um para o outro]
- uma alma tímida nasce também no outro corpo.
Uma nova sensibilidade ao mundo... tornam-se capazes de coisas melhores.
Preocupam-se não só com eles mas com os outros.
Torcem por que o outro seja melhor, e vão sendo também eles melhores.
Se se amam, e isso é certo, fazem os possíveis para todo o resto caminhar também nesse caminho do correcto. Porquê esbofetear um mundo que lhes deu a dádiva da união? Porquê detestar ainda, porquê ansiar por fazer mal ainda? Porquê ter de vencer noutros campos menos limpos ainda? Porquê alimentar hipocrisias quando o universo lhes concedeu a verdade? O genuíno?
Num terreno sem sementes de alma não há alma que nasça, não há vida que vingue.
E isso faz toda a diferença na equação 1 + 1 - o resultado é 0.
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