28 de jun. de 2012

valentim

o horror do mundo é uns dependerem de outros para serem felizes.
o horror do mundo é que uns sejam criaturas ditas "superiores" e outros necessitem desses para andar para a frente. pobre Valentim, despeitado pelos superiores...

há dias foi divulgado no facebook um artigo a respeito de um gatinho chamado Valentim, abandonado no gatil do Seixal no dia 14 de Fevereiro. foi amor à primeira vista... só consigo pensar no Valentim, mas pessoas que tiveram de o abandonar e nos seus motivos e, sobretudo, se há forma de o fazer feliz de novo. hoje decidi que vou tentar: vou buscá-lo, se ainda ninguém o tiver feito.

eu sei o que é ser abandonado, traído, destruído e esborrachado por aqueles em quem confiámos. eu sei como é que ele se sente, porque para estar deprimido é porque sente. está a morrer de depressão, tem um problema de coração, diz o artigo. não se mexe, não tem alegria de viver. oh Valentim, mesmo que os gatos não pensem nem disponham de memória, a solidão, o abandono e a traição - o desgosto, a desconfiança, a vertigem do tapete puxado de debaixo de ti - deve ser algo palpável, intuitivo, um selo, uma estampa colada a ti. e imagina quem tem memória e repassa, centenas de vezes em mente... as sensações, as promessas, os cheiros, os beijos (na mão, na testa, no rosto, no peito, na boca), os abraços, os sussurros, as garantias de "estarei lá sempre", a harmonia e a união total e completa de duas almas num breve instante que se diluiu em camadas inferiores, e até então desconhecidas, da natureza humana...

oh, ainda bem que não te lembras, Valentim, ou a dor trespassar-te-ia de vez. mas se quem tem memória continua, tu vais continuar também.

ofereço-te uma irmã esperta e amorosa, outra que também velará por ti, uma avó com um colo generoso e até o meu amor - à distância, porque eu só sei amar à distância, só sei amar quem é indefeso, porque todos os outros aproveitaram-se da minha própria falta de armas, por longe que eu esteja de andar desarmada. havia quem me desarmasse com um sorriso.

eu vou amar-te, porque não terás forma de me fazer mal.
eu vou proteger-te, porque não terás obrigação alguma de me proteger a mim.
eu vou fazer-te feliz, porque não há meio de me decepcionares.

espero que ainda estejas aí, 
Valentim.

PS - O Valentim já tinha sido dado a outra família...
02/07/2012


21 de jun. de 2012

one simple question, one simple answer

why?
card number VI
"the lovers"; test, choice, harmonious relationships, love-related indecision, unfaithfulness


oh yes, I see what you did there.
Ps: You didn't have to stoop so low.

18 de jun. de 2012

entroncamento; sigo em frente

Desde pequena que o único tipo de amor que faz sentido para mim é aquele que acontece uma vez na vida. Não faz sentido a troca por troca, isso é coisa de jovens, mas também é coisa de quem não se conhece a si próprio e de quem gosta de aproveitar momentos, mais do que a vida. O problema, em grande parte, é certamente meu. Sim, meu. Em parte porque não nasci com um metro e setenta e copa 38, em parte porque deve ser óbvio que aventuras não são comigo. Não que não as tenha vivido, até aqui - ou que tenha regras pessoais que me impeçam de vivê-las no futuro -, mas uma coisa é "uma aventura", e a bem que "aventuras" faz das pessoas coisas que eu cá sei. Outra coisa é amor, fingir amor. Isso não poderia fazer.

Fingir amor, nos enredos da vida a que tenho tido acesso, dá desgraças maiores e cicatrizes indisfarçáveis, eternas. Fingir amor é a humilhação total para consigo próprio e a maior das mentiras para com os outros. Ainda para mais, quando o amor é uma coisa que se , que faz das pessoas melhores, que lhes confere uma nova leveza, uma nova aura. Duas pessoas boas levam-se pela mão a coisas melhores. 

Sempre fiz mais sentido com os braços a solto do que com um apêndice a meu lado. É por isso que te peço desculpa se ficamos por aqui. Está a tocar o teu Bruce, faz algum sentido. Mas quero que saibas que és inteligente, perspicaz, simpático e honesto. Gostei da tua humildade quando confessaste que não és nenhum bad boy. Mas não consigo levar-me a coisas que devem acontecer com naturalidade... Não posso obrigar-me a amar, não posso obrigar-me a conviver com pessoas que escusam de vir ocupar lugares na minha vida que, a mal ou a bem, hão-de desocupar. Se desconfiar que te vais embora, eu saio primeiro. Não quero entras e sais. Daqui por diante quem tem que estar dentro já está, quem saiu pelo seu pé já não entra e quem foi expulso nem pode assomar à janela.

Já amei, já me arrependi e não voltarei a amar. É uma decisão minha, assim como foi escolha minha ter amado antes - ter dado tanto, ou ter estado disposta a dar tudo, antes. Como disse em divagações anteriores, não sei amar poucochinho. Não preciso de ninguém para passar o tempo porque, felizmente, entretenho-me bem sozinha. Também não pus a minha racionalidade totalmente de lado a favor de expedições carnais, por isso nunca estarei disposta a trocar a minha liberdade nem dignidade por umas "curvas". Muito menos a "aturar o porco por causa do chouriço". Não faria isso com um homem, e se ele tivesse o mínimo de inteligência veria em dois minutos a minha ausência de afecto por ele, porque ainda não aprendi a esconder emoções nem sentimentos. Mas tenho-me esforçado porque, se transmitir despeito, desprezo, amargura, vou causar destruições maiores, e eu quero os cacos só para mim, a fim de apanhá-los aos punhados e os atirar ribanceira abaixo, mar adentro, fogo acima.

Houve um momento em que me autorizei a amar e agora fechei a cancela. Esse campo é uma Chernobyl na minha alma, uma Pompeia fossilizada. Houve uma explosão nuclear, ardeu tudo, ficou sob chamas, sob cinzas, estático e gélido, agora é simples amargo de boca. Foi um puzzle, sabes? Não entendi nada e foi por isso que fui ficando, a ver se, no final, alguma coisa faria sentido. Não fez, acreditas? Agora imagino que tenhamos sido o mais feia que uma pessoa pode ser para a outra, porque tudo o que eu tinha de bom em mim, a seu respeito, resvalou para um nada absoluto e vergonhoso, que me pôs um peso sem medida no peito. Prisão, devemos ter sido uma prisão um para o outro, ambos com o seu quê de culpa - ah sim, porque eu não construí castelos totalmente no ar... os acessos eram sólidos, o palácio é que não existia. Fartei-me de subir escadas que davam a mais escadas e que iam dar a nenhures. 

Um dia a vida trata da retribuição, pelo menos ao nível a que me magoou. Eu não moveria uma palha nesse sentido. Não, porque a vida escreve certo por linhas tortas, e eu prefiro confiar nisso. Que direito terei eu, dia algum da minha vida, de me vingar de quem quer que me tenha feito mal? Oh, Edmond Dantès, depois do que te fizeram, não estavas tu no direito de te regojizar da infelicidade dos teus traidores? Daqueles a quem ficaste a dever anos de vida? Não serias um tolo se, podendo, tivesses continuado a preferir deixá-los seguir o curso mesquinho das suas miseráveis vidas? Mas eu, que te exalto e admiro, fio-me no destino para esses propósitos. Não seria jamais capaz de conspurcar a minha alma para dar lições a quem caminhou sobre os outros e fez deles bonecos. Eu ter-lhe-ia desejado felicidades, eu era esse género de pessoa. Mas ele portou-se mal, portou-se sempre mal comigo, fingiu ser o que não era, fugiu a tudo o que deveria ter sido. Há formas e formas de se cometer um crime, de se causar dor... ricochete é a pior.


Para mim, amar é aquilo que acontece quando alguém entra num banco para um assalto e as duas pessoas que se amam, independentemente do que sejam uma para a outra, sobrepõem o seu corpo ao do objecto amado. Isto porque uma bala a furar a pele do outro doeria mais do que na sua. Ou a perda do outro seria mais intolerável do que a de si próprio. Qualquer coisa que fuja a isto é fantochada. Quaisquer duas pessoas que dêem as mãos, mas não a vida, à outra, são actores de revista. É por isso que as minhas mãos hão-de andar vazias - e não porque seja difícil encontrar-se alguém, porque alguéns há-os aos pontapés nas esquinas para quem estiver disposto a esses desrespeitos próprios e a esses teatros de rua. Além do mais, nunca precisaria de ver o meu valor reconhecido pelos olhos de um terceiro; eu e os meus amores bastamo-nos. 

Assim saberei a vida inteira que sou capaz de amar - não sou como aquelas pessoas que nasceram com um défice nesse sentido, e que marcham ao lado de outras enquanto a outra não decide virar para a esquerda e que, ao prosseguir em frente, nem um olhar dedicam atrás. A menos que me magoem, que me pisem propositadamente, eu olharei para trás e irei lá buscar o que me era querido. Viro à esquerda com os meus amigos, mas homem algum deterá poder sobre mim ou voltará a desviar-me um passo que seja da felicidade de que gozo, com tanta plenitude, a sós. Só posso confiar na minha capacidade de escolhas... 

Não poderia nunca amar alguém cuja inteligência não me acompanhasse.
Não poderia nunca amar alguém que não saiba diferenciar o 1 de Dezembro do 5 de Outubro, ou que julgasse que o Che Guevara e o Hitler eram colegas de curso. 
Não poderia nunca amar alguém que, vendo outros em baixo, não se distanciasse do seu caminho para os ajudar.
Não poderia nunca amar alguém que encontre graça nos infortúnios alheios de inocentes.
Não poderia nunca amar alguém que cale o troco a mais que recebeu.
Não poderia nunca amar alguém cujo sonho de vida se prendesse com materialismos e não com a matéria dos sonhos.
Não poderia nunca amar alguém que viva de aparências e que desconheça os verdadeiros desafios da vida.
Não poderia nunca amar alguém sem sentido de humor, alguém que não soubesse fazer-me rir, e eu até rio com facilidade.
Não poderia nunca amar alguém cujo caminho até aqui fosse aberto por ombros de outrem, ao colo doutrem, à custa doutrem.
Não poderia nunca amar alguém incapaz de chorar - tem coração ou vive de absorver tudo na camada externa da derme?
Não poderia nunca amar alguém que, podendo ter iniciativa, deixasse aos outros a responsabilidade de tomar decisões.
É por isso que sei que não voltarei a amar.

Mas... como pude eu amar alguém que jogava cinzas em rosas, rosas com as quais me limpavam, literalmente, as lágrimas desse amor?


A saliva que eu gastei... para nada.
I gave you all the love I got

I gave you more than I could give

I gave you love
I gave you all that I have inside
And you took my love, you took my love

Didn't I tell you what I believe
Somebody say that
A love like that won't last
Didn't I give you
All that I've got to give, baby

I gave you all the love I got
I gave you more than I could give
I gave you love
I gave you all that I have inside
And you took my love, you took my love

I keep crying, I keep trying for you
There's nothing like you and I, baby

This is no ordinary love
No ordinary love
This is no ordinary love
No ordinary love

When you came my way
You brightened everyday
With your sweet smile

Didn't I tell you what I believe
Did somebody say that
A love like that won't last
Didn't I give you
All that I've got to give, baby

This is no ordinary love
No ordinary love
This is no ordinary love
No ordinary love

I keep crying, I keep trying for you
There's nothing like you and I baby

This is no ordinary love
No ordinary love
This is no ordinary love
No ordinary love

Keep trying for you
Keep crying for you
Keep flying for you
Keep flying I'm falling
I'm falling

Keep trying for you
Keep crying for you
Keep flying for you
Keep flying I'm falling
I'm falling

16 de jun. de 2012

so much waste

"I've wasted all my tears
Wasted all of those years
And nothing had the chance to be good
Cause nothing ever could"

12 de jun. de 2012

cold, cold heart

How did I grow to this? You brought me here. 
I'd rather be broken - cry, kick, scream -, because then a track of warmth would still live in me. But not a single tear, who'd say?
I've became a lake of calm waters - cold, freezing, needle frozen, waters. Oh, I don't see, I don't plan, I don't bite. I live my life - my free life, with the eyes fixed on my path.

No love left, only regret, only shame - and a healthier kind of hate and a bittersweet taste of waste in my mouth. No kindness; revenge. Not that I will take it - no, maybe I'll write a novel about it (a new Count of Monte Cristo, a new Wuthering Heights), but I will laugh and it will be a sweet moment, oh yes, it will be... Remember what I wished for you? Clarity, oh clarity... keeping men away from the edge since when? All times? And you've put yourself in the wolf's cave - look up and beware, the teeth suspended over your throat. Oh, you did well... how else would I have the opportunity to laugh, in the end?

The cards don't lie, the cards illude... people illude as well, but they also get illuded. Cards don't get illuded.

Such sweet moment, that of your fall... that of your eyes, your soul, realizing what, for me, is more than evident. Oh, your sweet, sweet fall...

Oh, your disgrace - your summer - will end. And when it does... oh, when it does.

How I'll be sure that life knows what it's doing .
How I'll celebrate my certanties, in the silence of my inner space...
But oh, such sweet - glorious - moment it will be.

8 de jun. de 2012

prova de fé


Finalmente fiquei nua. Fiquei despida. Que nudez inesperada esta, em que me vi pela primeira vez. Vi quem eu sou, triunfos e perdas, orgulhos e vergonhas. Mais do que isso, porque suspeito que sempre me conheci desconfortavelmente bem demais, agora posso ser eu. Sinto-me no auge daquilo que posso ser, isto é; a energia está toda cá. É tão novo poder ser eu – e não ter outra motivação que não a de fazer-me feliz -, que me julgo meio ébria perante as possibilidades. Algo tão novo e tão promissor que os meus dias desenrolam-se com uma tolerância saudável do passado e estendem-se perante mim com um optimismo sem precedentes. Parece que sou uma mulher de desafios, de aventuras, de grandes caminhadas, de grandes gargalhadas, de orientação e de ar puro e natureza. Sempre desconfiei... e só nos últimos meses pude começar a ser isso, que sempre trouxe cá dentro...


A cada vez que me recordo do que fiz, do que fizemos… de onde temos ido, dos desafios que temos ultrapassado, na vida e no campo! Noites sem dormir, faróis de madrugada e serras a escalar… tenho tanto orgulho, tanto amor por mim e por vocês. A coragem é uma coisa bonita. O amor é uma coisa ainda mais bonita. Com o espírito leve e um sorriso nos lábios, eu vou continuar. Vou, passo a passo, a outros lugares. Começo por aqui – sou pequena e os meus braços abarcam pouco. Quero correr o mundo, talvez fosse esse, acima de todos, o meu compromisso com esta vida. Conhecer o mundo e reportá-lo em diários, romances, pequenos textos. E há a arte – a pintura e a fotografia, embora só considere que tenha jeito para a segunda, mas a primeira dá-me igualmente prazer e por isso não abdico dela -, a permitirem-me escapes contínuos para essa alegria sólida, essa felicidade que vem com brisas e fragrâncias diferentes…

Oh, eu quero ver flores que nunca vi... acariciar o tronco de árvores em que nunca toquei... eu quero ver o mar de muitos ângulos diferentes...
Eu quero lanchar no topo das Serras todas deste país.
Eu quero partilhar a minha água convosco e beber do vosso cantil quando a minha acabar.

Eu quero guardar cada lugar novo cá dentro, os vossos sorrisos e as nossas brincadeiras, o nosso humor negro e a nossa fé cega umas nas outras. É engraçado ver o mundo a duvidar. É engraçado vê-lo acenar negativamente – porque não sabe, não -, nós sabemos. Não há nada de mal aqui. Não há ninguém a trair-se aqui. Não… não abanes a cabeça, eu sei do que falo.

Quero estar lá para vos içar para o bloco de calcário maior. Quero a vossa mão estendida para me içar.
Quero abraçar-vos e pular convosco quando, finalmente, depois de cinco horas de caminhada, a capela surgir…

No final disso tudo, quero que façamos ainda uma última coisa juntas: que juntemos os nossos conhecimentos, que os mesmos convirjam. Que uma saiba que é possível fazer-se um truque para pôr um carro praticamente sem bateria a funcionar. Que outra se lembre de o empurrar. Que outra se lembre de apoiar os pés na árvore para impulsionar o carro e que outra, quando a árvore ficar para trás, se lembre de estender um ramo no chão que nos contenha igualmente os pés.


A vida é uma prova de fé, e muitas vezes será difícil acreditar. Mais difícil ainda é acreditar - em algo que não se vê -, e amar incondicionalmente. De alguma forma... conseguimos isso. E ultimamente temos esperado tanto de bom de pessoas tão promissoras, em quem depositámos tanto... e perdemo-las, perderam-nos, afinal eram outras histórias, afinal não estavam escritos no nosso percurso... Afinal o mundo só as enviou para que cresçamos mais fortes e mais unidas. Não deixo de me espantar quando me sinto a duvidar e de repente a pessoa, com um sorriso irónico e um encolher de ombros, me faz acreditar de novo. Até hoje, só vocês conseguiram isso... surpreender sempre pelo melhor.


Companheiras de luta para aventuras futuras...


Vida afora, desafios afora...


Amo-vos tanto… ‘bora viajar pelas estradas da vida adiante, viajando lado a lado, numa viagem que não tem como correr mal…

no, there isn't

there is no limit to hypocrisy,
much like there's no milk in the fridge.

4 de jun. de 2012

frankly my dear...

ultimamente tenho reflectido bastante sobre o que é uma pessoa se não a sua história. sim, a sua história, com todos os factores que pôde controlar e os outros que estiveram fora do seu alcance e o modo como lidou com eles. ultimamente, sem ser preciso fossar muito (não o faço simplesmente porque quando se dá um pontapé numa pedra surge mais lama) descobri umas quantas peças paralelas de alguns puzzles de vidas ao meu redor. se observo é como testemunha - o que é uma vida sem testemunhas? é como um livro esquecido que nunca ninguém leu, morre desconhecido. o amor é uma invenção, uma máscara bonita para a simples necessidade que as pessoas têm de destacar uma testemunha-mor para a sua vida. recentemente, tenho estado mais atenta do que nunca ao que move as pessoas. descobri que, mais do que desejo sexual, é a vaidade, a disputa, o desafio pessoal que põe óleo nas engrenagens. o que define uma pessoa, na sua história, é até que ponto se respeitou, caminhou por entre os outros sem os pisar, ou o que teve de danificar, de pôr para trás, de abdicar pelo brilho distante de um triunfo menor. o que colocou no patamar de sagrado e o que despejou daí com um varrer de braço na urgência de lá sentar um novo rabo. às vezes paga-se caro demais um passeio na montanha russa. pela excitação, por se querer algo que parece impossível, mas que na realidade não foi difícil. algo que estava só a precisar de um empurrãozinho para se dar, como se deu a todos antes e como se dará a todos depois, e que, mais cedo ou mais tarde, vai carregar o travo azedo do nada e da desconfiança. a menos que a vaidade seja tanta que se julgue ser únicos, razão de viragem, e que nesse caso nos munamos de palas e nos deixemos confiar às escuras e avançar às apalpadelas. é também preciso saber reconhecer a natureza das pessoas, e saber que quando surgirem bifurcações, é à natureza que se retorna, é esse o espaço confortável, o contrário do desconhecido, e que isso ser algum muda, pois que é imutável. é a razão que nos torna humanos, a capacidade de dizer não ao que se mais quer, por motivos maiores, por motivos sagrados. de sobrepormos o que queremos que seja a nossa história de vida aos nossos anseios efémeros de criaturas condenadas. mas quem é que ainda mantém uma gavetinha sagrada em si? ultimamente fala-se demais em aproveitar a vida, experimentar muito, correr muito, saber muito sobre um nada absoluto que são as relações fortuitas. o gratificante que é trocar, frequentemente, a pessoa que se senta no nosso joelho em público. contemplar o nada - um tudo ilusório e temporário - entre duas pessoas, entristece-me. a história pessoal e a história geral entristece-me. pirite em todo o lado, e loucos a adorá-la de joelhos. corpos trocados como sacos de batatas, um toma lá da cá que nos torna a todos mais feios, a todos menos dignos e menos auto-respeitosos. uma prostituição da alma, mais do que da carne. essa morre e apodrece, a alma perdura. enquanto alguém que tiver conhecido essa alma viver, a alma do corpo que morreu viverá também. a sua história viverá. lamento que não nos protejamos uns aos outros desse deslavado de espíritos. lamento que não tenhamos assumido, uns perante os outros, uma tentativa bem-intencionada de sermos melhores pelo bem comum. caminhamos em lama, caminhamos numa história minada de sujidade. Nada de bom advém da sujidade. nada duradouro, nada como o ouro – quase eterno, tão resistente que se tornou rapidamente naquilo que as famílias deixam para a sua continuidade, qualquer coisa de concreto e uma promessa de longevidade. os alicerces são feitos de fumo e de espelhos. de ilusões temporárias mal medidas. de futuras desilusões, porque a porta vai abrir-se e o entulho vai invadir a beleza recém criada da divisão, do espaço partilhado. feitas as contas, o somatório é nada. não se leva nada de ninguém nem se dá nada. não se recolhe nenhuma testemunha confiável para a vida. somos todos descartáveis, mais cedo ou mais tarde. o nosso desempenho, nessa dança de fumo e espelhos, é que vai inscrever-se intimamente na nossa história pessoal. naquilo que transmitiremos a quem nos der continuidade, com genuinidade. lamento profundamente, e felizmente há quem lamente comigo, que se viva assim. nesta pobreza de espírito, neste baixar do próprio preço abaixo de zero. neste dar-se a crédito ou a cheque sem fundo. quanto a mim, decidi dar ouvidos ao único homem – curiosamente fictício e criado, claro está, por uma mulher – que alguma vez teve um ideal honesto e de utilidade, por muito cru e cínico que fosse. pondo a parte da reputação ao lado, já que nem disso dispomos já – já que nada de bom é mais esperado de ninguém – escolhi o final da história dele. Quando a porta se abrir e o entulho entrar… quando a ilusão se desfizer… quando os espelhos partirem e o fumo desvanecer… quando o ouro se distinguir claramente da pirite… quando até o arrependimento for honesto e emergir da lama como único elemento de bom nuns olhos que só aí conseguirão ver… eu vou ouvir-me dizer:«Frankly my dear, I don’t give a damn».22 de Abril 2012