20 de fev. de 2011

end of story

«Pousou ansiosamente no colo uma mão-cheia de comprimidos, enquanto os seus olhos inexpressivos se fixavam algures na imensidão do mar ameaçado por uma tempestade que se aproximava. Estava sentada frente à janela panorâmica da sala com o oceano inteiro como espectáculo, mas demasiado perturbada para se inteirar do tecto de nuvens cinzentas que traziam as primeiras chuvas do ano. Segurava na mão transpirada os comprimidos, como se fosse uma pistola, ciente da inevitabilidade do passo que estava prestes a dar. Um lume acolhedor ardia na lareira. A sala espaçosa era um modelo de bom gosto, com os seus cinquenta metros quadrados cobertos por tapetes persas, a mobília clássica e muitos quadros a óleo, marinhas na sua maioria. Estava tudo em ordem. Em cima da mesa de jogo de pau-santo ficava uma última carta, escrita pelo seu punho, devidamente fechada num envelope. Tomou os comprimidos que tinha na mão suada e trémula, um a um, sem se apressar. Limpou com a manga do casaco de malha um círculo de água deixado pelo copo para que não manchasse a mesa. Levantou-se, acertou a cadeira pombalina com a mesa e foi deitar-se no sofá de quatro lugares mais perto da lareira. Tirou os sapatos e cruzou as pernas, esticadas do modo mais confortável possível. Adormeceu, caindo depois num coma profundo, a que se seguiu uma paragem cardíaca provocada pelo relaxamento dos músculos arteriais, levando-a a uma morte sem dor.»

tiago rebelo - uma questão de confiança

13 de fev. de 2011

recanto

tenho um certo orgulho quando me recordo que, aos doze anos, aos treze, aos catorze, ouvia dido incessantemente. ontem lembrei-me dessa antiga paixão, quase por acaso. engraçado que só desenvolvo grandes amores por coisas do passado, só me agarrei realmente a coisas que estavam lá atrás, quanto mais recente na minha vida é o assunto, menos apego lhe tenho. enfim, ainda hoje, ao ouvir dido, considero a música dela simultaneamente emotiva e madura. de algum modo, combina comigo - tantas são as canções dela que me dizem qualquer coisa... primeiro amor, e a thank you a obrigar-me a desfolhar dicionários de inglês-português para saber que raio dizia ela, que me soava tão bonito. segundo amor, e eu sentada no topo de uma colina, eu sozinha, a dançar onde ninguém me via, eu a cantar para os velhotes da aldeia, que não entendiam o que eu dizia, mas acabavam as cabeças em assentimento, e batiam palmas, e eu que cantava a my lover's gone. e eu, de novo no tipo da colina, onde ninguém me via, de frente para a beleza dos altos e baixos algarvios, de olhos fechados, com o vento a tocar-me delicadamente, com a vegetação a enrolar-se nas minhas pernas, na minha saia, e eu a sentir-me mais viva que nunca, e a passar horas, sob o sol dourado, melancólico, do pôr-do-sol, e a cantar a isobel, e a saber que haveria sempre de sentir falta de alguém que não me queria. mais tarde substituí aquelas ruas sob o céu estrelado, à noite, pelas canções da norah jones. lembro-me quando mo disseram, quando me contaram que ele também queria estar a meu lado, mas não lhe deixava. que raio, pensei eu na altura, para que é que ele precisa de autorização para ficar comigo? essa é a história que conto agora às minhas irmãs. a de como, numa linda aldeia, uma rapariga pequena e pobrezinha se apaixonou por um rapaz mais velho, que gostava de animais, mas tinha medo da mãe. agora, isso tudo já me fugiu. embora me pareça que vou sempre amar um bocadinho quem amei um dia, amo sobretudo aquele vento, aquelas faixas, aquele chão sob os meus pés descalços, quando tinha a certeza que a minha tia não me ia apanhar sem sapatos. amo tanto, os pastores a voltarem a casa ao final do dia, as ovelhas, estafadas, a subir a estrada, a contornarem ruínas de xisto e a entrarem na aldeia, encardidas, e a afastarem-se quando estendia a mão para elas. as tardes no pátio, aí sim, autorizadamente descalça, sentada numa cadeira de plástico, a ver quem passa, a gozar o sol, a ler, as centenas de páginas que li, li a cor púrpura, li o baunilha e chocolate, li o chocolate, e tantos outros livros que até hoje recordo melhor do que os que li ontem. às vezes, abria um dossier no colo e escrevia romances. sim, ainda me lembro dos nomes das personagens e do enredo, quando tinha 12 anos. maria eduarda e diogo, eram esses os nomes deles. foi o primeiro que escrevi, até hoje, o que me recordo melhor. lembro-me de achar a história do baunilha e chocolate parecida, já depois de ter terminado o meu, e de considerar que a modignani me tinha plagiado por telepatia. o cheiro a terra, a água da torneira pública, as pessoas a regar as hortas, as flores, o linguajar do interior, a televisão sintonizada os canais espanhois, de tão próxima que estava da fronteira. e eu, que era ainda mais romântica, mais idealista, mais determinada, mais sonhadora e mais ingénua do que sou agora... eu que, sem vergonha, sem contenções, sem receios, abria os braços e dançava à chuva no largo da aldeia até que alguém me fosse resgatar, ou que me equilibrava sobre a platibanda de um terraço, descalça, caminhando de um lado para o outro, e regressando, até que três pessoas, do pátio do café, me pedem que desça. pensando nisto, obrigada tia, por me teres levado tantas vezes contigo. obrigada, porque a cada vez que aquelas pessoas me diziam: - o que é que uma menin de 16 anos faz aqui? isto é só velhos!, eu pensava que devia ser boa pessoa, devia ser mesmo boa pessoa, se era verdade que as meninas de 16 anos desprezam os velhos. é que eu adorava qualquer pedrinha da calçada que cobrisse o chão daquela aldeia, qualquer grãozinho de pó. e os velhos, como os próprios diziam, eram rochas de sabedoria andante, que se sentavam ao meu lado e puxavam a minha mão para as suas. agora para terminar com uma musiquinha que me dá gosto às vezes ouvir, faço das palavras da dido as minhas, enquanto conto o final da história à minha irmã.

when you see her sweet smile baby,
don't think of me
when she lays in your warm arms
don't think of me.

11 de fev. de 2011

fluidez líquida

não sei se sabes que... pergunto-me demasiada coisa, penso demais. critico-me por pensar de mais e movo o céu e a terra por pensar de menos. no entanto, quando não penso, é como se estivesse de férias de mim mesma. mais tarde, quando volto a pensar, parece que o mundo, eu, como autómato, continuou a andar, eu continuei a mover-me e, no entanto, não sei como cheguei aqui, como tomei decisões, como escolhi caminhos, como tive tais pensamentos, como disse aquelas coisas. depois, quando uma pequena coisa me obriga a voltar a mim, a pensar, logo, a existir - uma canção, um verso, uma pequena coisa que fez sentido lá atrás e que me faz lembrar de ti, dos planos que tinha para nós - fico neste estado de incapacidade motora. parece que, se antes estava desligada, agora estou parada. que hei eu de fazer? não sou eu ficar de braços cruzados, tive de sê-lo. recuperar os pensamentos custa demais. quando não penso não sou genuinamente feliz, mas sorrio, quando não penso, não sofro. quero tanto fugir ao sal das lágrimas, que me convenço que está tudo bem como está, que tudo é como tem de ser, eu de luzes apagadas, eu em silêncio, a viver somente, ainda que a minha alma paire algures, de férias do meu corpo, que continua a comparecer aos lugares do costume. quero tanto convencer-me de que isto não é tudo, de que o mundo tem mais, de que existem alternativas àquilo que julgava único... fico confusa, tão confusa que páro o mundo e ponho-me à escuta. sento-me a observar, a dissecar, a analisar. os pensamentos como enxorrada, e eu inundada deles, submergida neles, tantas vezes afogada, levada na onda, por eles. não quero voltar aos sítios onde estive nem a sentir o que senti. não é que tenha deixado de sentir, é só que, por alguns dias, semanas, fiz por esquecer, fiz por calar, silenciei e continuei a andar. detesto que as coisas se desfaçam perante os meus olhos e, no instante em que as deito no caixote do lixo, ouvi-las reacordar, remexer-se, exigir que volte a pô-las no lugar certo. ainda não morreu, ainda não foi desta. volto a pegá-las, com carinho e paciência redobrada. contemplo-as exasperada, suspiro: por favor, não voltem ao mesmo, suplico, não sei até quando terei forças para manter a rotina do cai e levanta. o mundo das coisas físicas dói demais, pesa demais, querer e não ter, ter a força mas não poder correr para elas, estão vedadas, sob paredes invisíveis, mas sólidas, e não posso alcançá-las, não reino sobre as forças inexplicáveis do mundo, não possuo magia em mim. no entanto, quero-as tanto que o meu peito respira na sua direcção, estendo-lhes a mão, danço sozinha na escuridão e imagino-as a envolver-me, a abraçar-me, fluidez líquida, paixão que arde na pele, amor que dói na alma. querer tanto até não poder mais, por não haver mais a querer, esgoto as possibilidades na imaginação, esmoreço com tanta hesitação, tanta repetição, tanta inexactidão. os teus dedos, as tuas pestanas, a tua existência física perante mim, a tua alma a reluzir, a dançar também dentro de ti, o teu cheiro, que recordo, o teu espírito, que adoro, os nossos duelos invisíveis, audíveis, intermináveis. a tua pele... por deus, a tua pele, a palma da tua mão... fico doente só de imaginar a tua mão quente, suada a abrir-se para a minha, trémula. fico doente só de imaginar que existes, e que ao menos isso não inventei.

10 de fev. de 2011

imbranata

o destino está sempre a postos. ontem adormeci a pensar numa certa pessoa. desde que lhe pus os olhos em cima que voltei às paixonetas da adolescência. não tem nada a ver com amor, no entanto, é bem mais saudável do que isso. faz-me feliz poder pensar noutro alguém, como se fosse possível vir a amar outra pessoa. quando a minha avó chegou a casa e disse:
- adivinha quem estava na farmácia?
- ele?!
fiquei histérica, pulei, dancei com a minha irmã, cantei, gritei, bati palmas. tenho que arranjar um pretexto para lá ir. ontem pensei nele, ontem pensei tanto nele! como um escape, um novo second best, mas desta vez tenho que fazer com que as coisas aconteçam. devo estar maluca.

agora, ao pôr chocolate para banho maria, liguei o lume e em vez de colocar a panela da água no bico do fogão, enganei-me e pus a do chocolate directamente. só dei pelo que tinha feito quando começou a cheirar a queimado. pus-me a dizer que estava parva, e a minha irmã, sentada à mesa como sempre, a vigiar os meus cozinhados, disse:
- agora que sabes que ele está ali estás parva, só te ris.
- é verdade.
- é o teu amor?
- o meu amor é outro, mas não me quer, tenho que arranjar quem me queira.
- porque é que ele não te quer?
com um sorriso bem-disposto respondo:
- é um bocado estúpido.
enquanto enchia a panela queimada de água, oiço a minha irmã dizer atrás de mim:
- ah. então e tu gostas de estúpidos?
- (good point ana) nem por isso.

e (como se o destino não estivesse sempre à escuta, aha) começa a tocar a Imbranato, do Tiziano Ferro, na sala.

4 de fev. de 2011

pathetic

useless words, useless feelings.
love letters, pratical speech.
 
un bel dì vedremo.

sunday morning

My biggest dream is the simplest thing: I want to wake up at 11 o'clock on a sunny sunday and find you  organizing the closet or something like that. I want to walk into you, and I wish you'd be listening to this song and that you'd try to apologize when you saw me. I wanted you to say: I'm sorry, did I wake you up with the radio? So that I could smile and say: I want to be with you night and day.

lettere di amore

Oggi, quando mi sono svegliata, ho scoperto che pensavo a te. Non so spiegare cosa sucede, ma ho proprio l’abitudine di scrivere le lettere di amore quando dormo. Poi c’eri tu, a dappertutto, ed io persa a cercarti dentro una chiesa. Qualcosa di veramente cativo aveva successo in quella chiesa, ma nessuno me lo direbbe. Io, invece, lo sapevo per istinto. E tu, che fumavi, mi chiamavi per andare dentro la tua stanza, perche c’erano le stanze in quella chiesa, e noi volevamo essere da soli. E io, che ti amo, sono succhiata di questo sogno, e avevo paura di tutto quello, ma almeno stava insieme a te. Al tuo fianco… cosa potrebbe accadermi? Quando ho aperto gli occhi, recitavo una lettera di amore. Non so se puoi credermi, ma è proprio così. Parlavo da sola, in pensieri, me ho sentito dire quelle belle parole, e adesso le ho dimenticate. Non sono sicura di cosa dicevo, ma è quase certo che dicevo che ti voglio bene, e che una ora in un incubo con te sarà sempre preferibile all’eternità nel paradiso senza vederti. So anche che dicevo che preferisco quando non stai qui, ma non domandarmi il motivo - non lo sarei spiegare. Forse sia la tua presenza, ed io senza poter toccarti, quello che mi fa veramente male.