13 de fev. de 2011

recanto

tenho um certo orgulho quando me recordo que, aos doze anos, aos treze, aos catorze, ouvia dido incessantemente. ontem lembrei-me dessa antiga paixão, quase por acaso. engraçado que só desenvolvo grandes amores por coisas do passado, só me agarrei realmente a coisas que estavam lá atrás, quanto mais recente na minha vida é o assunto, menos apego lhe tenho. enfim, ainda hoje, ao ouvir dido, considero a música dela simultaneamente emotiva e madura. de algum modo, combina comigo - tantas são as canções dela que me dizem qualquer coisa... primeiro amor, e a thank you a obrigar-me a desfolhar dicionários de inglês-português para saber que raio dizia ela, que me soava tão bonito. segundo amor, e eu sentada no topo de uma colina, eu sozinha, a dançar onde ninguém me via, eu a cantar para os velhotes da aldeia, que não entendiam o que eu dizia, mas acabavam as cabeças em assentimento, e batiam palmas, e eu que cantava a my lover's gone. e eu, de novo no tipo da colina, onde ninguém me via, de frente para a beleza dos altos e baixos algarvios, de olhos fechados, com o vento a tocar-me delicadamente, com a vegetação a enrolar-se nas minhas pernas, na minha saia, e eu a sentir-me mais viva que nunca, e a passar horas, sob o sol dourado, melancólico, do pôr-do-sol, e a cantar a isobel, e a saber que haveria sempre de sentir falta de alguém que não me queria. mais tarde substituí aquelas ruas sob o céu estrelado, à noite, pelas canções da norah jones. lembro-me quando mo disseram, quando me contaram que ele também queria estar a meu lado, mas não lhe deixava. que raio, pensei eu na altura, para que é que ele precisa de autorização para ficar comigo? essa é a história que conto agora às minhas irmãs. a de como, numa linda aldeia, uma rapariga pequena e pobrezinha se apaixonou por um rapaz mais velho, que gostava de animais, mas tinha medo da mãe. agora, isso tudo já me fugiu. embora me pareça que vou sempre amar um bocadinho quem amei um dia, amo sobretudo aquele vento, aquelas faixas, aquele chão sob os meus pés descalços, quando tinha a certeza que a minha tia não me ia apanhar sem sapatos. amo tanto, os pastores a voltarem a casa ao final do dia, as ovelhas, estafadas, a subir a estrada, a contornarem ruínas de xisto e a entrarem na aldeia, encardidas, e a afastarem-se quando estendia a mão para elas. as tardes no pátio, aí sim, autorizadamente descalça, sentada numa cadeira de plástico, a ver quem passa, a gozar o sol, a ler, as centenas de páginas que li, li a cor púrpura, li o baunilha e chocolate, li o chocolate, e tantos outros livros que até hoje recordo melhor do que os que li ontem. às vezes, abria um dossier no colo e escrevia romances. sim, ainda me lembro dos nomes das personagens e do enredo, quando tinha 12 anos. maria eduarda e diogo, eram esses os nomes deles. foi o primeiro que escrevi, até hoje, o que me recordo melhor. lembro-me de achar a história do baunilha e chocolate parecida, já depois de ter terminado o meu, e de considerar que a modignani me tinha plagiado por telepatia. o cheiro a terra, a água da torneira pública, as pessoas a regar as hortas, as flores, o linguajar do interior, a televisão sintonizada os canais espanhois, de tão próxima que estava da fronteira. e eu, que era ainda mais romântica, mais idealista, mais determinada, mais sonhadora e mais ingénua do que sou agora... eu que, sem vergonha, sem contenções, sem receios, abria os braços e dançava à chuva no largo da aldeia até que alguém me fosse resgatar, ou que me equilibrava sobre a platibanda de um terraço, descalça, caminhando de um lado para o outro, e regressando, até que três pessoas, do pátio do café, me pedem que desça. pensando nisto, obrigada tia, por me teres levado tantas vezes contigo. obrigada, porque a cada vez que aquelas pessoas me diziam: - o que é que uma menin de 16 anos faz aqui? isto é só velhos!, eu pensava que devia ser boa pessoa, devia ser mesmo boa pessoa, se era verdade que as meninas de 16 anos desprezam os velhos. é que eu adorava qualquer pedrinha da calçada que cobrisse o chão daquela aldeia, qualquer grãozinho de pó. e os velhos, como os próprios diziam, eram rochas de sabedoria andante, que se sentavam ao meu lado e puxavam a minha mão para as suas. agora para terminar com uma musiquinha que me dá gosto às vezes ouvir, faço das palavras da dido as minhas, enquanto conto o final da história à minha irmã.

when you see her sweet smile baby,
don't think of me
when she lays in your warm arms
don't think of me.

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