ultimamente tenho reflectido bastante sobre o
que é uma pessoa se não a sua história. sim, a sua história, com todos os
factores que pôde controlar e os outros que estiveram fora do seu alcance e o
modo como lidou com eles. ultimamente, sem ser preciso fossar muito (não o faço
simplesmente porque quando se dá um pontapé numa pedra surge mais lama)
descobri umas quantas peças paralelas de alguns puzzles de vidas ao meu redor.
se observo é como testemunha - o que é uma vida sem testemunhas? é como um
livro esquecido que nunca ninguém leu, morre desconhecido. o amor é uma
invenção, uma máscara bonita para a simples necessidade que as pessoas têm de
destacar uma testemunha-mor para a sua vida. recentemente, tenho estado mais
atenta do que nunca ao que move as pessoas. descobri que, mais do que desejo
sexual, é a vaidade, a disputa, o desafio pessoal que põe óleo nas engrenagens.
o que define uma pessoa, na sua história, é até que ponto se respeitou,
caminhou por entre os outros sem os pisar, ou o que teve de danificar, de pôr
para trás, de abdicar pelo brilho distante de um triunfo menor. o que colocou
no patamar de sagrado e o que despejou daí com um varrer de braço na urgência
de lá sentar um novo rabo. às vezes paga-se caro demais um passeio na montanha
russa. pela excitação, por se querer algo que parece impossível, mas que na
realidade não foi difícil. algo que estava só a precisar de um empurrãozinho
para se dar, como se deu a todos antes e como se dará a todos depois, e que,
mais cedo ou mais tarde, vai carregar o travo azedo do nada e da desconfiança.
a menos que a vaidade seja tanta que se julgue ser únicos, razão de viragem, e
que nesse caso nos munamos de palas e nos deixemos confiar às escuras e avançar
às apalpadelas. é também preciso saber reconhecer a natureza das pessoas, e
saber que quando surgirem bifurcações, é à natureza que se retorna, é esse o
espaço confortável, o contrário do desconhecido, e que isso ser algum muda,
pois que é imutável. é a razão que nos torna humanos, a capacidade de dizer não
ao que se mais quer, por motivos maiores, por motivos sagrados. de sobrepormos
o que queremos que seja a nossa história de vida aos nossos anseios efémeros de
criaturas condenadas. mas quem é que ainda mantém uma gavetinha sagrada em si?
ultimamente fala-se demais em aproveitar a vida, experimentar muito, correr
muito, saber muito sobre um nada absoluto que são as relações fortuitas. o
gratificante que é trocar, frequentemente, a pessoa que se senta no nosso
joelho em público. contemplar o nada - um tudo ilusório e temporário - entre
duas pessoas, entristece-me. a história pessoal e a história geral
entristece-me. pirite em todo o lado, e loucos a adorá-la de joelhos. corpos
trocados como sacos de batatas, um toma lá da cá que nos torna a todos mais
feios, a todos menos dignos e menos auto-respeitosos. uma prostituição da alma,
mais do que da carne. essa morre e apodrece, a alma perdura. enquanto alguém
que tiver conhecido essa alma viver, a alma do corpo que morreu viverá também.
a sua história viverá. lamento que não nos protejamos uns aos outros desse
deslavado de espíritos. lamento que não tenhamos assumido, uns perante os
outros, uma tentativa bem-intencionada de sermos melhores pelo bem comum.
caminhamos em lama, caminhamos numa história minada de sujidade. Nada de bom
advém da sujidade. nada duradouro, nada como o ouro – quase eterno, tão
resistente que se tornou rapidamente naquilo que as famílias deixam para a sua
continuidade, qualquer coisa de concreto e uma promessa de longevidade. os
alicerces são feitos de fumo e de espelhos. de ilusões temporárias mal medidas.
de futuras desilusões, porque a porta vai abrir-se e o entulho vai invadir a
beleza recém criada da divisão, do espaço partilhado. feitas as contas, o
somatório é nada. não se leva nada de ninguém nem se dá nada. não se recolhe
nenhuma testemunha confiável para a vida. somos todos descartáveis, mais cedo
ou mais tarde. o nosso desempenho, nessa dança de fumo e espelhos, é que vai
inscrever-se intimamente na nossa história pessoal. naquilo que transmitiremos
a quem nos der continuidade, com genuinidade. lamento profundamente, e
felizmente há quem lamente comigo, que se viva assim. nesta pobreza de
espírito, neste baixar do próprio preço abaixo de zero. neste dar-se a crédito
ou a cheque sem fundo. quanto a mim, decidi dar ouvidos ao único homem –
curiosamente fictício e criado, claro está, por uma mulher – que alguma vez
teve um ideal honesto e de utilidade, por muito cru e cínico que fosse. pondo a
parte da reputação ao lado, já que nem disso dispomos já – já que nada de bom é
mais esperado de ninguém – escolhi o final da história dele. Quando a porta se
abrir e o entulho entrar… quando a ilusão se desfizer… quando os espelhos
partirem e o fumo desvanecer… quando o ouro se distinguir claramente da pirite…
quando até o arrependimento for honesto e emergir da lama como único elemento
de bom nuns olhos que só aí conseguirão ver… eu vou ouvir-me dizer:«Frankly
my dear, I don’t give a damn».22 de Abril 2012
Assino por baixo :) não podia estar mais de acordo (salvo alguns devaneios que não tenho 100% certeza que percebi) ;)
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