Ontem fumei um cigarro sentada com a minha irmã à luz parda da lâmpada do quintal. Ela tinha esta música no mp3 (Cada Lugar Teu), ela sabe a história desta música. Mudou-a depressa mas não tão rápido que eu não me desse conta de que a ouve. O pesar nos olhos dela esclareceu-me para o facto de que também está de luto por mim, por nós. Oh sim, ela diz que tem pena de ti. Tem pena que tenhas sido estúpido e tem pena que eu tenha virado as costas à nossa amizade. Eu murmurei, meio distraída: "ainda não sei como tive coragem". Mas a coragem é precisamente escolher o caminho mais difícil, ir contra aquilo que nos custa, por um bem maior. E eu salvei-me, não foi? Eu salvei-me da humilhação, da dor e da repulsa que me terias causado com aquilo que és agora, com a tristeza que és agora - you're making a fool of yourself, a blind and hopeless fool - se não tivesse fechado a porta atempadamente. O teu tipo de egoísmo é de uma natureza cruel e quase imoral, não importa nada, pois não? Há uma vida que dizias que te punhas acima de tudo o resto. Mas eu julguei que fosses tu armado em durão, até porque dizias tantas outras coisas que agora se revelaram mentira...! Como é curioso ver-te a correr, tão embrenhado, para tudo aquilo que criticavas e condenavas! És daquela espécie que desdenha porque quer comprar. Aposto que agora nada daquilo que criticavas te importa mais, não é? As mulheres já não são umas mulas porcas, têm direito a ter-se divertido à grande. Já não são umas manipuladoras que contam tudo aos amigos. Já não são o diabo de saias, a seduzir pobres inocentes. Já não importa que gastem muito dinheiro em roupa ou que tenham apetrechos topo de gama. Também já não são umas idiotas por perderem demasiado tempo com a televisão ou filmes.
Pela primeira vez na vida agradeço a dádiva da visão. Apercebi-me das cicatrizes que deixaste em mim. Cinco anos que descartaste num único momento (e que abençoado momento!) - eu fechei a porta primeiro e definitivamente, é preciso recordar -, que te valeu uma varredura para fora do meu abrigo. Pensei que ficaria destruída, Chernobyl, sim, mas renasci. Renasci rápido por cima das cinzas, afinal sou de fogo, não é? Foi uma ventania que quase me extinguiu, mas eu renasci mais forte ainda. A vida tem soprado bastante na minha direcção ultimamente. Estou realizada a vários níveis quando, antes, só conhecia a frustração. Pensei que, quando isso acabasse, eu ia estar tão magoada que ia meter na cabeça que jamais amaria alguém de novo. Estava enganada. Eu cresci perto de homens moles que pouco valem e agarrei-me ao primeiro que tinha um laivo de energia, uma centelha de brilhantismo que fosse. Mas sabes o que é que concluí? Que nem tu és mais forte do que eu. Não, se houvesse um terramoto eu levantar-nos-ia, não tu. Eu sou de granito e tu de pedra-pomes. Tens mais discurso do que qualquer outra coisa e és tão sensato e tão flexível e manipulável quanto qualquer outro tolo. O caminho que tomaste - o modo como escolhes percorrê-lo -, reafirma esta minha certeza. Eu vou precisar de diamante - não pelo seu valor, mas pela sua dureza. Sim, vou precisar disso para que, quando os meus punhos lhe baterem no peito, ele não quebre. Não dobre, não amoleça. É engraçado ver as mudanças que se operaram em ti. Foi água dura em pedra mole. Furaste. Como é que a minha mãe dizia...? Banana, é isso.
Tanta gente me viu dar voltas nesta roleta russa, jurar o meu amor eterno, dispensar a minha vida, sacrificar a minha felicidade, aceitar bofetada atrás de bofetada - porco, sacana - na esperança de um dia... um dia o quê? Há homens mais avisados do que aquele. Homens mais firmes, mais razoáveis e sensatos. Há homens com mais astúcia, menos volúveis. Menos cegos. Homens que poderiam ser guerreiros a meu lado, que saibam o que é vida, o que é luta e o que é luta de vida. Há homens mais inteligentes, mais cultos. Perdi-me durante tanto tempo porque ele era o mais isto tudo que conhecia - e até o contrário já me provei. Não muito longe, até. Mas o mundo é grande, o mundo é enorme. Mas este gosta mesmo é de tentar cingir sabão. Gosta de pensar que a qualquer momento lhe escorrega. Porquê? Perguntei, e ela respondeu: Para sentir que é o premiado. Realmente, eu era garantida. Eu ia estar lá para sempre. Desde que não me batesse, não me traísse, não me destruísse, eu ia estar lá sempre, não iria a lado nenhum. O bem estar dele seria sempre mais importante do que o meu. Os meus olhos não sairiam dos dele. Ele seria o Sol no centro da minha galáxia. Para o bem e para o mal - eu teria posto o meu peito à frente da bala. Talvez isso fosse qualquer coisa de demasiado precioso para o Universo pôr nas mãos dele. Guardo-o em mim para quem, um dia, vier a merecê-lo realmente.
Há dois dias, sentada nas minhas escadas às cinco horas da manhã, alguém olhou para mim, para o fundo de mim e perguntou, com o interesse genuíno de quem me viu sofrer tanto:
Há dois dias, sentada nas minhas escadas às cinco horas da manhã, alguém olhou para mim, para o fundo de mim e perguntou, com o interesse genuíno de quem me viu sofrer tanto:
- Sempre pensei que, não agora, mas um dia mais tarde, tu e ele ficassem juntos. Mas depois disto nem sequer porias a hipótese...não é?
E eu já estou a abanar a cabeça a meio, já estou a sorrir com determinação. Digo, com mais certeza do que alguma vez tive na vida:
- Não, nem pensar. O que me fez não tem perdão. Além de que a pessoa em que se tornou não me interessa para nada. Depois já não o amo, já não gosto dele como pessoa, sequer. (a carga benigna que lhe associava é agora uma nuvem negra e incomodativa que, felizmente, não me custa muito a ignorar). Nunca, o Universo escreveu bem esta história, salvou-me do pior.
Lamento ter magoado tanta gente em meu redor. Magoei sim, não sabias? O meu amor era tão grande e tão bonito que havia uma corrente de boa-vontade ao meu redor. Oh, os românticos provavelmente acreditavam que, se isto funcionasse, então essas tretas todas sobre lutar pelo amor valiam a pena. Teria sido um triunfo estrondoso. Haveria sorrisos e uma corrente generalizada de simpatia e de piadas sobre o nosso casamento e os nossos filhos. Haveria imensa gente a dizer "sempre soube!" e haveria piadas a respeito das muitas lágrimas que deixei cair. Inclusive a pessoa mais improvável que possas imaginar, que em tempos disse que eu e tu tínhamos sido feitos um para o outro, se a história tivesse sido diferente, diria "eu sabia!". A minha avó ia chorar de alegria - por seres tu, depois de tantos episódios da novela. A minha irmã idem. As minhas amigas - mal posso imaginar, se tiveram os olhos inundados de lágrimas quando despejaste o teu novo estado em cima delas com ruídos de salivas e bocas a enrolarem-se - os olhos delas em mim! eu a rir e elas de lágrimas nos olhos! - teriam pulado de alegria, ter-nos iam pago um copo. O meu avô teria gostado de ti - não de ti hoje, mas do ti que eras antes de dezembro do ano passado. O idiota do meu pai faria observações a respeito de seres baixo. Eu ia defender-te e ofendê-lo com o facto de que a altura nunca fez um homem. A Ana ia divertir-te - é uma miúda inteligente. Íamos viajar juntos - eu arrastava-te se não te apetecesse, haveríamos de fazer muitas caminhadas, também. Havia tantas potencialidades - foi sempre isso que me magoou, o muito que poderíamos ter subido, eu puxaria por ti e tu puxarias por mim e não haveria horas mortas nem inactividade. Íamos acompanhar a conversa um do outro - eu não ia bocejar nem revirar os olhos nem acenar afirmativamente com o olhar lá longe enquanto falasses - e um olhar bastaria para que comunicássemos a nossa opinião sobre qualquer asserção de um terceiro. Haveria, sim, desenvolvimento constante, troca constante de conhecimentos. Quando acabasse, se acabasse, seríamos ambos pessoas muito mais ricas e teria valido necessariamente a pena.
Ou então não.
Porque isso das viagens e do trekking e quês já diz respeito à pessoa que sou agora. Quando havias tu eu só te via a ti, não iria a lado nenhum, ia bastar-me a sombra de um plátano lá na velha rua. Provavelmente não sairia da cepa torta, mais preocupada contigo do que comigo, com a tua satisfação do que com a minha. Com estar contigo do que com estar com o mundo.
Lamento ter magoado tanta gente em meu redor. Magoei sim, não sabias? O meu amor era tão grande e tão bonito que havia uma corrente de boa-vontade ao meu redor. Oh, os românticos provavelmente acreditavam que, se isto funcionasse, então essas tretas todas sobre lutar pelo amor valiam a pena. Teria sido um triunfo estrondoso. Haveria sorrisos e uma corrente generalizada de simpatia e de piadas sobre o nosso casamento e os nossos filhos. Haveria imensa gente a dizer "sempre soube!" e haveria piadas a respeito das muitas lágrimas que deixei cair. Inclusive a pessoa mais improvável que possas imaginar, que em tempos disse que eu e tu tínhamos sido feitos um para o outro, se a história tivesse sido diferente, diria "eu sabia!". A minha avó ia chorar de alegria - por seres tu, depois de tantos episódios da novela. A minha irmã idem. As minhas amigas - mal posso imaginar, se tiveram os olhos inundados de lágrimas quando despejaste o teu novo estado em cima delas com ruídos de salivas e bocas a enrolarem-se - os olhos delas em mim! eu a rir e elas de lágrimas nos olhos! - teriam pulado de alegria, ter-nos iam pago um copo. O meu avô teria gostado de ti - não de ti hoje, mas do ti que eras antes de dezembro do ano passado. O idiota do meu pai faria observações a respeito de seres baixo. Eu ia defender-te e ofendê-lo com o facto de que a altura nunca fez um homem. A Ana ia divertir-te - é uma miúda inteligente. Íamos viajar juntos - eu arrastava-te se não te apetecesse, haveríamos de fazer muitas caminhadas, também. Havia tantas potencialidades - foi sempre isso que me magoou, o muito que poderíamos ter subido, eu puxaria por ti e tu puxarias por mim e não haveria horas mortas nem inactividade. Íamos acompanhar a conversa um do outro - eu não ia bocejar nem revirar os olhos nem acenar afirmativamente com o olhar lá longe enquanto falasses - e um olhar bastaria para que comunicássemos a nossa opinião sobre qualquer asserção de um terceiro. Haveria, sim, desenvolvimento constante, troca constante de conhecimentos. Quando acabasse, se acabasse, seríamos ambos pessoas muito mais ricas e teria valido necessariamente a pena.
Ou então não.
Porque isso das viagens e do trekking e quês já diz respeito à pessoa que sou agora. Quando havias tu eu só te via a ti, não iria a lado nenhum, ia bastar-me a sombra de um plátano lá na velha rua. Provavelmente não sairia da cepa torta, mais preocupada contigo do que comigo, com a tua satisfação do que com a minha. Com estar contigo do que com estar com o mundo.
Mas então eu lembro-me que...
Essa história não é a minha, eu mereço uma melhor.
Isto não tem tags… por favor diz-me que ẽ ficção, porque é demasiado triste para realidade :(
ResponderExcluirSeja qual das duas for, está muito bem escrito :)
Bj
Olá querida Liliana.
ExcluirSó hoje li este teu comentário. Infelizmente não é ficção. Este blogue é uma espécie de diário meu que mantenho há algum tempo...