10 de jul. de 2012

promessa de chuva

No domingo, quando parti de Mirandela em direcção a Lisboa, fiquei boquiaberta ao chegar acima de Lamego. Sem aviso, os montes distendidos e salpicados de verde - oliveiras, alecrim, pinheiros - abriram-se em vales escarpados nas margens do rio Douro. Ao fundo dos vales, que entontecem de tão altos, multiplicam-se pequenas pontes que, à distância, vistas cá de cima, parecem pecinhas de lego, qualquer coisa de brincar. E os socalcos, vale acima, encosta direita, encosta esquerda, protegidos por amuradas de xisto, e as vinhas a cintilar de verde vivo - verde vida - precipitadas sobre os reflexos do céu na água... Sustive a respiração durante longos momentos, fiquei estupefacta. Depois pus-me a reflectir (quando a paisagem ficou para trás e pude , de facto, pensar) sobre a minha pretensão de julgar já ter visto muito só porque mal paro em casa. Dei-me então conta de que ainda não vi nada, e de que o mundo é extenso, quase infinito para as pernas - as forças - e os recursos - tempo, dinheiro - de que o comum dos mortais dispõe. Por isso, se aos 22 anos sou agraciada com a dádiva que é contemplar as paisagens do Douro vinhateiro, fico comovida e falta-me o ar e considero-me uma privilegiada. O que é o Douro comparado com o Gran Canyon? Mas o que é o Chafariz de Almada comparado com o Douro? Degrau a degrau, vale acima, estou mais perto da realização. 

Ao chegar, a tardias horas, à estação ferroviária de Sete Rios, conheci uma jovem de 20 anos, mas tão sábia que foi óbvio que a vida revolve com mais intensidade ao seu redor. As nossas almas entenderam-se de imediato e foi com naturalidade que nos pusemos a discursar sobre as vidas de cada uma, as crenças, as lutas, os gostos lá ao fundo, em segundo plano. O Alquimista e viver a vida com a colher de óleo na mão, sem derramar o seu conteúdo e sem deixar de ver o que se expande em redor. Estou a viver a vida e a carregar a colher de óleo, e nunca me movi em tamanha harmonia. Tudo parece encaixar-se graciosamente na outra metade - o equilíbrio entre alegrias e tristezas é perfeito, não há oscilações, nem elevações abruptas nem quedas a pique. I'll keep holding on... Está a dar na rádio, não digo que é tudo perfeito agora? Eu não espero por nada. Eu não quero nada. Retiro prazer daquilo que a vida estende à minha frente, para que eu colha na medida do meu ânimo. I wasted all of those years... Oh, eu dancei num campo infértil durante tanto tempo, tudo por uma mera promessa de chuva... Ia morrer à sede no deserto quando acordei e corri para o primeiro curso de água, para o primeiro oásis... oh, atravessei meio país e de súbito as dunas ficaram para trás, a aridez das suas ondulações deixaram-me, e o verde explodiu em frescura e vitalidade. 

Mas não estou cega, vejo melhor do que nunca. O coração humano... tão facilmente corrompido, a mente humana, tão facilmente manipulada. O corpo humano... tão limitado e tão dado a imprudências... Mudanças de direcção são possíveis com um simples sopro, um simples bater de asas de uma borboleta - quem diria que temos tanto poder sobre as vidas dos outros? Só almejo, neste momento, poder sobre a minha. Não quero poder criar nem destruir. Não, quero sentar-me num afluente do Douro e deixar a água correr livremente, límpida, por sobre mim, sob mim, em redor de mim, na corrida imparável do seu curso. Sob a ponte, em redor das outras formações rochosas, rio abaixo, vida afora.
Quero o campo, oh vida, dá-me essa oportunidade. Quero o campo.
Não quero promessas de chuva:
quero sentar-me bem no centro do rio.

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