8 de mar. de 2012

meio dourado, meio lilás, meio azul

A minha hora favorita do dia continua a ser o entardecer. Hoje, especialmente, a tarde começou com o tom dourado das cinco e terminou com um lilás azulado com uma brisa que sabia a verão. Se me permitir sonhar alto, aqui tenho a imagem de tudo o que ambiciono neste momento:
A escrita a sustentar-me: não a sustentar carros nem gasolinas nem casas. Mas a permitir-me comer. E um canto numa aldeia qualquer. E, se pudesse, compraria o verão e tirava folga das palavras aos finais de tarde. Estendia-me numa cama de ferro, por entre a atmosfera abafada, com um qualquer vestido branco. O chilrear dos pássaros lá fora, numa paisagem qualquer rural. Árvores, tem de haver árvores porque, ao contrário das portas, eu não tenho problemas com árvores. Muitas árvores a explodir em verde contra a também explosão azul do céu. Mas calma, isto durante o dia. Porque ao entardecer tem de haver uma mistela de cores indefinível. Branco leitoso a tender para o dourado. Dourado a tender para o alaranjado. Alaranjado a tender para o avermelhado. O avermelhado a tender para o lilás. O lilás a tender para o azul. E queria estender-me sobre uma cama e, sobre essa cama, apenas eu e a colcha fina, também branca e florida, sobre a qual me estendo. E só tenho esse vestido no corpo, e está tanto calor, mal se sente a brisa. Quando se sente, levanta apenas os cabelos mais finos da testa. Sabe a mel, sabe a mundo. Quero que o calor me pique nas têmporas, junto à raiz do cabelo. E no espaço curvado entre o nariz e os lábios. E naquele recanto pequeno, quase inexistente, abaixo do lábio e antes da saliência do queixo, à sombra. E que me pique nas axilas, e erguer os braços sobre a cabeça traga aragem fresca e uma sensação de realização completa. Frescura. Arrefecer o que arde, o que dói. E que também as pernas, nuas, estejam cobertas de uma fina camada de suor, tão fina que não escorre, mas suficientemente aquecida para que, ao mover as pernas, possa também deliciar-me, raiar o êxtase, com a aragem que lhes vem tocar. E, conforme a tonalidade varia para voos mais escuros, conforme o chilrear dará, em breve, lugar à orquestra de grilos, quero que a brisa na minha testa seja mais perceptível. E, assim, serei infinitamente feliz por descobrir ar por entre o sufoco. Nada sabe melhor, neste meu verão inventado, do que descer da cama, já noite, e pousar a planta dos pés, fervente, nas lajes frias do chão. Daquele frio quase morno tão agradável. Neste sonho consciente moro sozinha e, se me rojar no chão, se me rebolar por um bocadinho, se me deixar tolher pela obscuridade de debaixo da cama, ninguém saberá. O telefone não toca. O computador não funciona. Lá fora já é noite. Ninguém me sabe debaixo da cama, como se tivesse voltado a ser criança. Ninguém saberia que, na minha própria casa, me esconderia debaixo da cama.

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