«nunca sentiste que existem coisas que não consegues dizer? que a garganta seca? que as palavras ficam entaladas e não existe forma de as deitares cá para fora? tu nunca consegues encontrar as palavras adequadas para dizer que sentes falta de alguém, porque inventas maneiras de usar palavras que não as mais directas, as mais objectivas. tu pensas que se disseres as coisas de outra forma, que o que queres dizer, é entendido, pela outra pessoa, da mesma maneira que a tua. mas não. tu não sabes como é que hás-de dizer a uma pessoa que gostas dela, e isso toda a gente sabe que é difícil. as palavras são escolhidas ao pormenor, tentas escolher as mais meigas e dóceis, as mais carinhosas e queridas. até o tom de voz tu treinas, para não fazeres uma voz demasiado grossa e rápida, ou demasiado lenta e calma, ou então para a outra pessoa gostar. tu inventas gestos, o mexer das mãos, a posição do teu corpo...o corpo assente numa perna, o corpo assente na outra, a maneira como respiras, para transparecer que te manténs calma/o e serena/o. o teu olhar é testado, para que não olhes directamente para a luz do candeeiro (se existir um), ou para o chão, ou para as ervas, ou para o infinito. escolhes uma roupa e um penteado, porque não fica bem se estiveres ao natural (será que ele/ela gosta de mim assim? - pensas). mas tu, no fundo, sabes que não é assim. quando o momento chegar, não existe tempo para nada disso. quando for tempo das coisas se desenrolarem, tu deitas tudo cá para fora, o teu olhar voa a mil á hora por cantos impensáveis, a tua voz adquire tons mais altos e mais baixos, perdes a voz, - sentes o coração a bater a toda a velocidade - não pensas no penteado, nem na roupa, não pensas nos teus gestos, - e o coração acelera cada vez mais - e pensas e não pensas, e choras, e a maquilhagem desaparece, e o teu estômago fica solto, a pressão que se fazia sentir sobre ele, desaparece, sorris, não utilizas palavras escolhidas, palavras ternas ou caras, - o teu coração vai veloz - tu balanças o teu corpo para trás e para a frente, apoia-lo de qualquer forma e feitio, e quando dás por ti, estás a proferir as palavras que querias, as palavras que custavam a sair, as palavras que eram impossíveis, as palavras que não sabias se seriam ditas daquela maneira, com aquelas mesmas palavras. o teu corpo estremece. as palavras saem e são um eclipse - amo-te.»
29 Dez. 2008
(City and Colour - Little Hell)
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