Eu por entre folhas que esvoaçam, a minha letra gravada nelas. Abro o meu diário e encontro tudo o que fui, consigo que coincida com aquilo que sou. Tu inscrito em cada página, ou amarguras, ou notícias, ou marcos da vida que me tem passado por entre os dedos. A consciência do tempo esmaga-me. Ainda há tanto que quero ser, e tanto que quero ver… e há tanta beleza no mundo, e tanta expectativa e, se olharmos com atenção, está tudo a desmoronar-se, e nós sem consciência disso. Continuo a achar que o mais belo romance que alguma vez conhecerei é aquele que escrevo ocasionalmente, quando a desilusão ou a alegria momentânea, ilusória, me arrasta para as linhas que vou registando. Não consigo viver mais de altos e baixos, desconfio. Há qualquer coisa cá dentro que dói, e a dor é constante, receio que seja crónica. O problema maior é quando a minha imaginação, tão fértil como a região oeste deste país, encontra bloqueios, paredes negras. Crio ambientes na cabeça, crio vidas que não viverei para viver. Escrevi poesia, escrevi prosa, encontro-me em cada quadra, em cada parágrafo, e volto a sentir a esperança que sentia na altura, a dor que me atormentava na época. E compreendo que já aguentei muito, já fui feliz, e se mais estiver para vir? Não aguento mais altos e baixos, não sei viver de esperas, os sonhos estão a deixar de bastar. Estendi a mão e vi-os esfumarem-se, e eu sou de carne e osso, concreta, sólida, vivo de dedos, lábios, olhos e visão, vivo de rosto, que se enruga, se indigna, envelhece de hora a hora. Não estraguem a minha poesia, por favor, quando perder a escrita perco tudo, quando perder a beleza que me esforço tanto para encontrar debaixo das pedras dos destroços do mundo que piso, perderei tudo. É por isso que peço, destruam-me os sonhos, porque eu consigo renová-los, mas não destruam a beleza, uma vez esborratada, torna-se ferida aberta, torna-se recanto onde não quero voltar, sítio para esquecer, buraco onde me fui enterrar. Não me estragues a beleza, porque vivo dela, da simplicidade básica do belo e do feio, o feio é mau, o belo tenho-o feito bom. E a beleza é relativa, e eu consigo construí-la, mas o feio é tão absoluto, que nem eu consigo cobri-lo de ouro e chamá-lo bonito. Não pintes de feio aquelas ruas, por favor, são do mais belo que guardo em mim.
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