24 de set. de 2011

Continua o mundo, onde tu acabas?

Há dias em que me limito a amar-te. Não a amar-te como numa comédia romântica, mas como num grande épico em que, no final, são as mãos que amam que matam o amado, para o poupar a algum sofrimento maior. Maior que a morte – dá-se a vida para não sofrer. Noutros, custa-me fingir que és somente parte da minha bagagem. Imagino que, nesses dias, me sento num banco de jardim e abro a mala de viagem. Retiro as fotografias mentais, retrato dos quilómetros de estrada que percorremos juntos. Amaço poemas que te dediquei na palma da mão, os que te escrevi também. Endireito-os e devolvo-os aos compartimentos. Um pedaço de tecido laranja, que uso para me cobrir ao dormir. A consciência, total e suprema, de que não há amor. Meu amor, não há amor. Fui posta na terra sobre um terreno infértil. Porquê? Se é suposto que os acasos façam sentido? Porquê, se mesmo a Mecânica Quântica tem algumas respostas lógicas – apesar da aleatoriedade das partículas? Porquê colocar-me tanto adubo na mão, prometer-me jardins a perder de vista de alfazema e rosas, se depois o solo não se deixa salgar? Se por mais funde que eu cave – e as minhas mãos secam, os meus dedos calejam, a minha pele arde – nunca haja um grão de terra cultivável no espaço que a vida me deu? Porquê meter-me tanta riqueza nas mãos – porquê esta capacidade de amar que me arrasta e eu sigo, indefesa contra a corrente – se não posso usufruir de uma única colheita destes frutos? Meu amor, não há amor. Tudo o que é grande está perto de ti. Tudo o que vejo de grande guardo para ti. Na esperança remota que te importe. Que eu não seja só uma tola insignificante a falar a teus ouvidos. Que, um dia, tenhas o ímpeto de estender os braços e puxar-me para ti. Este fenómeno de carência, cloreto de sódio e insegurança que sou, perante ti, caiu num ciclo que o leva, constantemente, para baixo. Apetece-me gritar-te que te amo, que ainda te amo. Que é para sempre. Eu disse-te que era. Eu vivo bem com esse «para sempre». Fui eu que mo impus, de modo a seguir pela vida a adorar ouro. Por muito que as minhas mãos lutem para furar a rocha aurífera, por muito que tente puxar-te para fora das garras maciças da pedra, tu permaneces intacto, a brilhar por entre pó. Ao menos morrerei tendo visto ouro. Tendo reconhecido ouro. Tendo arruinado os dedos e corrompido a alma por ouro, não por pirite. Os meus joelhos rasgam-se de tanto te rezar. A minha voz perde-se na tentativa de te chegar. Digo sempre o contrário do que estou a sentir. Faço sempre o contrário do que quero. Pensar é-me impossível. E, assim, só estou sem ti nos livros. Escrevo sobre outras coisas. Outro ouro que não tu, para me convencer que o mundo de facto continua, onde tu acabas. Que o mundo não desmorona, se estiveres longe. E penso-te. Em sonhos, beijo-te. Digo que te amo e – louca que sou – respondes-me o mesmo. Mas eu sei, e o vazio voltou a envolver-me. Eu sei… shh, não o digas. Eu sei. O teu tecido aquece-me. As tuas páginas entretêm-me. Se a casa pegar fogo, dou a vida para salvar o que de ti tenho nela. Meu amor, que as palavras não bastam. Meu amor, a distância dos nossos dois corpos - dos nossos entendimentos - é como facas a cruzarem-me a pele. Dramas, aborrecimentos, insistência, previsibilidade. Cura-me dos meus males ó deus, se existes. Cura-me das ausências porque aqui está alguém que seria feliz até à estupidificação se lho permitisses - em cabana junto ao mar, com odor a peixe e a maresia e alheia ao luxo e à ostentação do século em que me plantaste. Porque não me fizeste à altura dele? Porquê tão baixa? Tão mais baixa que ele… que ascende ao tecto do mundo? Dá-me forças para o escutar no silêncio, porque ele não fala. Dá-me olhos para o decifrar, porque ele esconde os pesos que carrega, e ombros para dividir esses mesmos fardos com ele. Dá-me forças para o levantar, porque ele ajuda não pede. E, se sabes que no último capítulo – a existir Destino – não acabamos felizes para sempre, tira-o da minha alma. Se sabes que, no caminho que percorro, não encontrarei felicidade, retira-o da minha alma, porque está impregnada dele. Remove as cores dele da minha alma, a textura da pele dele da minha memória. Sobretudo, remove o odor dele dos meus lábios, que o afloraram. Remove-o de mim,da minha essência, do meu cerne, do meu núcleo, porque é aí que ele se foi aninhar – para que eu possa seguir de pé, até ao último dia, a amá-lo sadiamente, e a salvá-lo das intempéries do mundo cruel. Para que o mundo possa continuar, de onde ele acaba. Remove-o para que eu possa cumprir a promessa que me fiz, há quase dois mil dias atrás - quais milénios - de o proteger de tudo e sempre, para sempre.



                Amor da minha última vida,
PP

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