Não posso dormir. Por algum motivo, ou por vários motivos, não consigo dormir. Não posso ler, não saberia o que ler. Seria facilmente apanhada de luz acesa a horas tardias a ler. Não me apetece jogar – fingir que sou deus – e criar famílias fictícias. Não me apetece escrever, não há-de sair nada de qualidade nesta hora. Os filmes que eu queria ver são os que já vi, e adorei, noutras versões. Simplesmente não existem. Não me apetece ver o Sexo e a Cidade. Não me apetece dormir. Não me apetece, sequer, fumar um cigarro à janela. Rabisco uma porcaria qualquer porque, geralmente, depois de deitar para fora, através da escrita, o que me atormenta, sigo com a minha vida. Leio – mesmo correndo o risco de ouvir a minha avó a perguntar-me se estou maluca do outro lado da porta – finjo que sou deus e crio famílias, escrevo coisas sentidas e vejo filmes que não interessam nem ao menino jesus. Mas lamento, lamento que as minhas horas prossigam nesse caminho. Queria mesmo, apetecia-me mesmo, oh se gostava tanto… de estar sentada com uma bela vista para o céu, como palco de um teatro de beleza indescritível, a contar estrelas cadentes e a conversar. A falar sobre tudo e sobre nada. Sobre os meus assuntos favoritos: medo do futuro, expectativas de futuro. Sobre as mágoas e os pequenos triunfos do passado. Sobre a criatividade e a paciência. Sobre a arte e a ciência. Sobre a história e a religião. Sobre política, sobre qualquer outro chavão. Sobre nada, sobre tudo. Sobre o amor, quem sabe. Sobre a vida, sobre a felicidade. Sobre a passagem do tempo, a idade. Falar, até que as forças se esgotassem e eu desejasse enrolar-me nos lençóis e dormir um sono livre de pensamentos e pesadelos. Sobre a terra, sobre o mar. Sonhos doces de quem flutua no nada. Sobre quem cruza, de braços abertos, o ar em pleno voo tardio. E que se cale em mim o vazio…
Help me to make up, make up my mind.
(Matthew Perryman, Save You)
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