18 de jan. de 2011

cruzada

andamos todos meio a cair, não é? andamos todos com coisas entaladas na garganta. eu, que me considero mulher de armas, rendi-me à paz. há anos (literalmente, há mais de dois anos) que me barriquei na minha tenda e me fiquei pela leitura de romances. o amor... apetece-me rir, o que é isso do amor? o amor só faz sofrer, só faz doer, os momentos bons, poetizados, muitas vezes são grãos de areia perto das formações graníticas dos maus. ainda assim, o amor todo o respeito merece, todo o esforço deve ser concentrado nas guerras por ele... morremos nessa luta, ou talvez seja somente a facção de terreno em que me encontro que esmoreceu, desmorou, anda a arrastar a espada, o peito em sangue, cartas de amor largadas ao vento... esvoaçam por todo o lado, vejo-as dançar no ar, os fôlegos, as lágrimas, que as escreveram... flutuam com elas, acima das nossas cabeças. tantas injecções letais, levaram os nossos corações... tantas pedras quando estavam em carne viva, tanto álcool derramado, tanto sal passado sobre a ferida... e os nossos olhos a chorar sem o nosso consentimento, e nós a tentar que todo o mundo à volta não se apercebesse, para não nos afastar dessa fonte de álcool, dessa salina que quase nos seca, quase nos faz rastejar e implorar... como é possível que continuemos a ansiar para que o álcool deixe de arder sobre as nossas feridas e o sal deixe de secar as nossas bocas? o que é, afinal, o desejo? é isso mesmo, é como se me enchesses a boca de sal, quanto mais sede tenho, mais sal passas nos meus lábios, mais sal vertes para a minha garganta, mais sal trazes nas tuas mãos... e o que é o amor? estou tão farta desta palavra, cheguei a odiar a palavra 'amor'. qual amor qual quê, apetece-me perguntar... andamos por aí a idolatrar pessoas como objectos de cera, a perdoar cada falha, a adorar cada defeito, para no fim os vermos munir-se das pernas e afastar-se... e o ciúme? só o imaginar o corpo amado misturado com outro, por defeito odiado, os sussurros, os fluidos, as peles, o suor, o silêncio da noite... o silêncio dos amantes. como dói! é por por isso que me advertiram que não imaginasse, que não pensasse, ou daria em doida. estamos todos a dar em doidos, ou só eu me torturo com essas imagens? só eu padeço de ciúmes? desgraçado de quem ama, penso, sentada no meu banco da tenda, a ver-vos passar derrotados. desgraçado de quem ama... vencidos, eternamente à espera, estupidamente optimistas, até quem não acredita no destino, no sobrenatural, espera por reconciliações, por recomeços, por regressos ao passado. aqui, da minha tenda, rio às gargalhadas, desculpem, seus tolos. desculpem, somos a corja da humanidade, pelo menos num sentido espiritual, somos sim... deus, a existir, criou-nos sem par, criou-nos para errar sobre a Terra numa eterna busca sem fim e... quando tropeçarem naquele que julguem ser o fim, ele vai rejeitar-vos, vai desligar-vos o telefone, vai responder-vos torto, vai humilhar-vos, vai passear com outras/os debaixo dos vossos olhos, vai deixar claro que não têm nada com isso, vai dar-vos mil e um fragmentos de imagens e cor para que os imaginem juntos, para que enlouqueçam assim... vai querer que saibam, enquanto se esforça também para que ignorem, que não vos querem. ainda assim, anda cá, senta-te no meu colo. ainda assim, deixa-me afastar-te este cabelo da cara. ainda assim, essa cor fica-te bem, esse vestido é novo? esse risco negro faz os teus olhos maiores... desculpem, se rio, desculpem, mas vejam, por favor, que me caem grossas lágrimas dos olhos... que estou na sombra, a saborear a derrota, enquanto vocês se arrastam, meio mortos, quase fantasmas, para beber mais um pouco de água, livrar-se do sal, e regressar ao campo de batalha. talvez seja agora que ele me quer. talvez agora ela tenha reparado em mim, talvez se tenha dado conta que nunca terá com ninguém o que teve comigo. talvez agora, cinquenta anos depois, ele veja que estive sempre ao lado dele, que sou o amor da vida dele e que sequei também eu, devido à cegueira dele. talvez... talvez, e entretanto, vocês alimentam-se de esperança, a esperança mantém-vos sãos, mas apenas para voltar à batalha, para voltar a ser derrotados, uma, e outra, e outra vez... apenas para ouvirem um já pedi que te afastes, um já te disse que ela é o amor da minha vida, um já te disse que a tua oportunidade passou, fizeste as escolhas erradas, agora esquece. e eu, aqui da sombra, vejo os vossos corpos consumidos pelo amor ao sol, e orgulho-me. sim, orgulho-me por estar sentada. orgulho-me por ver-vos passar e rir, a mim, de cujos olhos caem grossas lágrimas. a mim, cujo corpo estremece, e o que é isto... cá dentro? que fragmento é este, que lago é este que expande e me domina? será esperança? estarei eu de espada em punho, embora distraída? oh não, não quero juntar-me a vocês, não, não lutem mais... por favor, quero dizer-vos, quero pedir-vos, implorar-vos, não lutem. um grande relâmpago dá-se num primeiro instante, o primeiro e o milésimo instantes passaram, ele não vos quer, ela não vos ama...

que tola que sou, que louca que me estou a tornar. não estava realmente cá... no entanto, ainda os oiço; os ecos das minhas gargalhadas, ainda o saboreio... o sal das minhas lágrimas.

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