apetece-me biscoitos. pergunto à minha avó, que dorme a cesta, se posso fazê-los. foram os limões sobre a mesa da cozinha que me inspiraram. ela diz que não, que não quer desarrumações na cozinha, que ainda há gelatina, que o açúcar faz-lhes mal aos dentes. a pergunta é, sobretudo, diplomática: é evidente que vou fazê-los à mesma, só quero preparar terreno para ela não gritar demasiado na hora de acender o forno, coisa que não sei fazer. Chamo a minha irmã e digo-lhe, com uma tristeza que ambas sabemos ser fingida:
- ia fazer biscoitos mas a cota não deixa.
a Cláudia ilumina-se, torna-se de imediato minha cúmplice:
- avóóóóó - vai chateá-la ao quarto - deixa lá a Célia fazer biscoitoooos...!
- deixo o quê, eu é que teho que limpar depois. e nem há farinha.
- eu posso ir buscar farinha ao Minipreço!
- vais o quê, é longe e há muitas estradas para atravessar.
- vou sim!
a avó continua irredutível.
a Cláudia vem juntar-se a mim na caserna de conspirações:
- ela não deixa, Célia.
- então temos que ir buscar a artilharia pesada.
- o quê?
- a Ana!
puxamos a Ana para baixo dos nossos braços, ela veio de um campo de refugiados na Índia, a julgar pela cor encardida dos pés e dos joelhos que adquiriu nas guerras que leva a cabo no quintal. ponho-a a par da situação com sussurros baixinhos:
- Ana, queres comer biscoitos?
pela expressão apática da Ana, é óbvio que não sabe o que biscoitos são. fizémos-lhe um desenho:
- são bolinhos pequenos.
ela começa aos saltos:
- sim! quero! - puxa-me pelo braço - anda Célia, faz pescoitos!
- 'pera Pipz, tens que interferir por nós junto da velha. vai lá e diz-lhe assim 'avó, deixá lá a Célia fazer biscoitooos'.
ela arranca a correr, entra no quarto da avó e ouvimo-la a o longe:
- avó, deixa lá a Célia fazer pescostos.
- é, cheia de desgostos estou eu.
a Ana volta a correr e transmite a mensagem:
- a avó diz que já está cheia de pescostos.
- Ana! biscoitos! diz-lhe que nos deixe fazer biscoitos, chora um bocadito se for preciso.
ela regressa para o strike II.
- avó deixa láá, quero comer pescoitos.
- estejam mas é quietas - a Cláudia junta-se a elas no quarto e fico a ouvi-las daqui.
- vá láááá, a Cláudia vai ao minipeço comprar farinha! - a Ana joga a carta das lágrimas.
depois de muito insistir, ganhamos a luta.
eu viro-me para a Cláudia enquanto ela mete o dinheiro na carteira, na cozinha, e digo-lhe:
- vai ser o teu primeiro recado cá para casa, prepara-te que a partir daqui vais ser muito explorada.
- Clááááudia, chega lá aqui - é a avó a chamar do quarto - já que vais lá buscar a farinha traz-me vinho branco.
- Vês? Se a tua mãe sabe diz logo que te exploramos.
- Quero lá saber, ela também me explora - avança pelo corredor, olha sobre o ombro e pisca-me o olho - mas sabes? Já a informei que a cada vez que vou ao modelo, mesmo que a conta sejam 2€ e ela me dê 5, o troco é meu.
Eu pisco-lhe o olho em retorno.
(foto by celia)
18 Setembro 2010
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