16 de nov. de 2010

nem deus, nem sal

não me resta grande coisa, apercebo-me. estou a morrer por dentro, é a verdade absoluta. resta-me o sal, resta-me lamentar. lamento sinceramente que estejamos todos a sofrer horrores em silêncio, e que todos o saibamos, e tenhamos até perdido a força de nos ajudar uns aos outros. nunca nos ajudámos uns aos outros, na realidade, só nos temos afundado, só nos temos empurrado para baixo. é noite, onde há uma praia suficientemente longa e longuínqua que abafe os meus gritos, que os impeça de chegarem ao outro lado do oceano? porque é que toda a gente à minha volta está a cair? porque é que toda a gente desistiu ao mesmo tempo? porque é que toda a gente enlouqueceu ao mesmo tempo? porque é que não vejo amanhã, nem salvação? porque é que não me consigo despir da dor, porque é que os problemas multiplicaram por mil enquanto as minhas mãos continuam a ser apenas duas? porque é que nos deixámos a todos sozinhos, porque é que o que tenho já não é suficiente, porque é que não chega, porque é que não há ajuda, solução, final feliz possível? porque é que continuamos a cair? porque é que o mundo é infinito, a solidão é infita, o sofrimento é infinito e este buraco onde caímos é infinito, quando chega o fim? por muito que doa, mesmo que ainda possa doer mais, mesmo que o meu corpo se fragmente em mil, se desfaça, se desmantele, vá cada pedaço numa direcção, porque é que o chão não chega? eu sei e o mundo sabe que os meus ombros já não chegam. eu sei e o mundo sabe que, em breve, fecho os olhos em queda livre e largo tudo, o que não me largou, o que ainda há para largar. porque é que toda a gente à minha volta está a sofrer, porquê? porque é que eu chegava para tanto e agora não chego para nada? porque é que não posso salvar-nos, salvar-me a mim? porque é que vamos todos ficar ainda pior, se há pior, porque é que não chega? porque é que tudo o que façamos não chega? porquê? porque é que não há luz sequer ao fundo dum túnel, porque é que a minha mão procura mas já não tem onde se agarrar? porque é que já não posso ajudar quem tem somente em mim a salvação? porque é que estamos todos destruídos, eu entre lágrimas e cigarros e gritos mudos, tu perante um copo de qualquer substância alcóolica, tu a lamentar a escolha que fizeste num instante e que te mudou a vida toda e a braços com os teus erros de quase criança, tu a refugiar-te no sono e tu, meu amor, sem compreender nada do que se passa ao teu redor, só a saber-te abandonado, e ainda tu, que não tens cérebro humano, que se calhar já nem estás nem mundo, porque nem de ti soubémos cuidar, igualmente abandonado, igualmente mal-amado? porque é que temos este défice de amor, de ser, de nos mexer? porque é que as minhas forças esgotaram, porque é que a minha cabeça já não pensa, a minha paciência já se esgotou, o sal escorre em mim? porque é que eu estou a gritar, porque é que eu estou a gritar tão alto, porque é que eu não sei para onde me virar, porque é que eu sei que, há minha volta, tantas outras pessoas que são, que se transformaram, no mundo para mim, estão igualmente a gritar alto, estão igualmente a enviar sinais, pedidos de socorro, a tactear no vazio, porque é que eu caio, eles caem, nos vemos a cair e, no entanto, o silêncio é infinito à nossa volta, o silêncio se nos prende aos ossos? um silêncio que dói, que urra, de tanto que ecoa.

11 Novembro 2010

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