16 de nov. de 2010

vanessa

Querida Vanessa,

Vou começar como o fiz há pouco: «quando nos conhecemos éramos duas miúdas de fato de treino e dentes tortos», corria o ano de 1999. Foi antes da viragem do milénio. Juntas, fomos pitas histéricas apaixonadas pelo mesmo rapaz (que tolas), juntas dividimos folhados de frango que custavam 120$, juntas brincámos às mães e às filhas, passámos por aquelas fases importantes da vida de uma mulher, partilhámos doenças - parece que a outra tinha inveja e acabava por arranjar uma maleita qualquer também - partilhámos irmãos problemáticos, inúmeros aniversários (já são dez), famílias 'daquelas', abrimos a mente juntas, ensinaste-me e eu ensinei-te, aprendemos uma com a outra. Fomos miseráveis a matemática, miseráveis a educação física juntas. Quando penso na nossa história vejo sempre a António da Costa, vejo-te com o teu rabo-de-cavalo e o cabelo aos caracóis, os olhos vivaços e os nossos dentes, meu deus os nossos dentes!!! Depois vejo-nos a comer Bounties na Anselmo, a chocarmos professoras com verrugas na ponta do nariz porque dançavamos tango no recreio, batias-me, eu batia-te e chamava-te «cusca». Depois tiveste aquele surto daquela doença esquisita que te deixou a cara toda às pintas, e no mesmo dia, de acordo com a minha memória, surgiste na escola de aparelho nos dentes, com elásticos verdes. Imaginem só... a cara vermelha e o aparelho verde... estávamos no oitavo ano. Depois, começámos a juntar toda esta malta ao nosso redor: Ana Catarina, Vânia, Andreia, Ana F, Mariana e, durante três ou quatro anos fomos inseparáveis. É claro que há altos e baixos, há sempre, mas toda a gente invejava a nossa amizade, penso nisso agora: sete raparigas que não se largavam que, a mal ou a bem, lá se iam entendendo, cada uma com a sua personalidade, com o seu jeito de ser, eu e tu sem nos zangarmos sequer. A nossa primeira zanga foi qual? Aquela em que não te reguei as plantas quando estavas de férias? Aquela em que te corrigi a jogada de sueca e me atiraste as cartas, no Avante 2008? Aquela em que me mandaste para uma certa localidade? Ou aquela em que me neguei a lavar o prato do atum? Será que alguma vez nos zangámos a sério? Hoje foi um dia sobre ti, e dei por mim a tentar reunir o máximo de ti na minha cabeça. Não tinha visto, contudo, o essencial, que é o que levou a isto. És das pessoas que mais admiro, daquelas que sei que, por muitas incongruências que tenhamos, por muito que eu grite 'PLACAS' e tu 'GPS', mesmo que arrisques a minha vida pondo-nos em contra-mão em Alcântara, eu punha a vida nas tuas mãos sim e, se morresse, punha-te os filhos na mão também. Ia esperar que eles herdassem geneticamente o meu mau feitio e isso, associado à tua doçura natural, havia de fazer deles boas pessoas. Agora, com isto digo que mereces tudo de melhor que o mundo tem para dar, não uma vida de fumo e espelhos, não de ilusões, não jogos de dinheiro, de fotografias, de passeios no centro comercial, de listas de aviados ao fim do mês, não de comparar cores de unhas, não de elogiar penteados. Desejo para ti as melhores pessoas do mundo, que te rodeiem e que me consideres sempre uma delas (apesar das plantas, das cartas, da localidade e do atum) e que, aconteça o que acontecer, não nos esqueçamos que temos, há dez anos, um porto de abrigo uma na outra.

A conclusão a que cheguei e que me fez escrever isto, é a de que te vi hoje formares-te. Não me tinha apercebido até olhar três vezes para a bela da foto, que estou contigo há dez anos, que te vi, nos vi, ser, sermos, tudo isto. Que, hoje, formaste-te e eu sou uma testemunha da tua vida, e um dia vou ver-te casar, vou aprovar (ou não, porque o homem vai ter que penar muito para estar à tua altura) o teu marido, vou meter-me constantemente na educação dos teus filhos e vou dizer que és branda demais. Porque tu deves ser das poucas pessoas que conheço que não mente, não engana para sair vencedora, para retirar lucro ou vantagem (ups, os teus avós vieram no Domingo..ahaha), que não engana, não trapaceia, não encena, não esconde se questionada, não lança intrigas, não tira prazer de ver os outros mal, é si própria e é quem é, e tem-no sido pelos últimos dez anos. E, seja quem for que o destino te reserve, será sempre pouco para ti. E, apesar de eu ter todos os motivos que sabes contra praxes e contra trajes e isso, se ver-te atirar uma capa ao ar significa que pude ser, uma vez mais, peão presente na tua vida, e se isso significa que acabaste outra fase significativa e que eu estive lá contigo e para ti, então que atires mil capas ao ar e que trajes em cada evento importante da tua vida.

Eu vou estar a assistir.
(foto by andreia brito)
31 Maio 2010

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