16 de nov. de 2010

rumo aos quatro ventos

O facto de, pela primeira vez, ter recebido turistas num autocarro, ter interagido com eles, não ter conseguido evitar ser eu e, portanto, ter rido, ter gesticulado, ter sorrido, ter gargalhado, ter afastado o ar quente do rosto com a mão, ter limpo o suor do nariz entre o polegar e o indicador, ter-lhes pedido que esperassem por indicações em português e inglês, seguido de um francês atrapalhado, num microfone desligado, enquanto o meu colega me faz sinais, ri, quase grita, insiste que o micrfone está desligado, desiste, e eu não vejo, não oiço, não cesso o discurso e, de repente, não são só os motoristas e o colega que riem comigo e de mim, são os turistas, como um suspiro colectivo, que erguem os ombros, retorcem os cantos dos lábios, deixam cair os ombros e sorriem ao deixá-los cair: a senhora que me ofereceu o lugar a seu lado, a outra, cuja pele branca, alva, parece macilenta devido às delicadas gotas de suor sob a aba do elegante chapéu de palha, o casal inglês, a rapariga inglesa, séria, tão séria quanto alta e bonita, educada, mas silenciosa, pouco expressiva e contida. Aí estão todos, doze pessoas em frente a mim, expectantes, a tentar compreender o que digo e há esboços de sorrisos (ou mesmo dentes!) nos seus rostos. E eu incho de orgulho, sou invadida de felicidade, se soubessem como sou feliz nesse momento...
Apercebo-me que fui de viagem para Lisboa, Sintra e Fátima com cada um deles nessa tarde, nas respectivas tours. Ainda que não me comentem, lembrar-se-ão de mim, e levar-me-ão - a rapariga baixa, que esbraceja, que fala alto e ri demais, que anda de rabo para o ar no interior do autocarro à procura da caneta que, desajeitadamente, deixou cair. Vou com eles para os países deles e, em breve, estarei do outro lado do mundo, no Brasil, ou na França e nos países do Norte quando regressarem às suas casas, às suas vidas. Tudo porque eles vão-me levar.
Aos poucos, os turistas vão levar-me aos quatro cantos do globo, lá dentro deles, para o bem ou para o mal. Viverei em cada um desses cantos, mesmo que nunca os pise.

E recordo-me daquilo que digo, em tom de prece, a mim mesma, antes de adormecer, respeitosamente sentada, como me ensinaram, há para aí dez anos. O discurso é invariavelmente o mesmo, mas sempre sentido:

'(...) obrigada por ainda estar viva, e espero que assim continue durante muitos e muitos anos, mesmo que seja só no coração de alguém'.

(foto by vanessa campos)

Love me tender,
Love me sweet,
Never let me go.
You have made my life complete,
And I love you so.

Love me tender,
Love me true,
All my dreams fulfilled.
For my darlin I love you,
And I always will.

Love me tender,
Love me long,
Take me to your heart.
For it's there that I belong,
And well never part.

Love me tender,
Love me dear,
Tell me you are mine.
I'll be yours through all the years,
'Till the end of time.

(when at last my dreams come true
Darling this I know
Happiness will follow you
Everywhere you go).


Norah Jones, Love me tender
24 Junho 2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário