que escolha tenho eu? da última vez que me sentei sob um céu de estrelas, desejei que as coisas melhorassem em sentidos específicos. abriram-se janelas, mas fecharam-se inúmeras portas. hoje, enquanto seguia no comboio, dei comigo uma vez mais apática. estou a chegar à recta final, não é o final do curso (se chegar lá) que me assusta, não é ao curso que quero voltar. quero, no entanto, ter um plano bem traçado para o meu futuro. não posso arriscar-me a tomar a decisão errada num momento delicado destes - a minha vida já não me pertence só a mim, a perda é a perda, a despedida implica a distância e a perda, ou a ida sem volta implica a cisão completa. o plano que adoptar hoje, ao partir de viagem, pode alterar-se. o amor, como estrela cadente a guiar o meu caminho, como força vigente na minha vida, pode não ser o caminho certo, e a ambição, ou a simples realidade, podem vir e reclamar-me para si. nunca ambicionei palácios para morar ou carros topo de gama para conduzir, ou um homem alto - escritor, artista, médico - para exibir. ao invés, sempre desejei uma casinha confortável, com paredes pintadas por mim, um gira-discos, estantes de livros e lava-loiças, porque até em lavar um prato à mão há uma certa poesia, uma certa marca de solidão, a da pessoa que se entrega às lides domésticas. sempre desejei um carro velho, cheio de manhas, que me conhecesse e que eu conhecesse e que me fizesse rir - os bancos meio tortos, as portas meio perras, a direcção meio desajustada - porque nada disso me definiria, e eu seria feliz porque só isso seria um teste à perspicácia das pessoas que me conhecessem: quem me julgaria pela falta de máquina de lavar loiça, quem me julgaria pelo carro de inícios da década de 90? se me julgassem, eu saberia com quem estaria a lidar à partida - quem não julgasse, daria um passo para mais perto de mim. quanto ao homem, o que sempre imaginei seria alguém de quem eu me pudesse orgulhar - acima de tudo, orgulho, admiração, respeito - todo o resto é ornamental, ainda que os restantes não compreendessem que admiração era essa minha por ele, eu saberia e isso bastaria e bastará sempre. o país que eu sonho não existe. o carro que eu quero já não é fabricado. o homem que eu quero não me quer. e, com lisboa a passar por mim fora da janela, perguntei-me se é isto o melhor que o meu país tem a oferecer. será que tenho mesmo que me ir embora? aliás, o que concluí, foi que aqui não há nada. não irei embora em busca das luzes de paris ou da cultura francesa ou do bem que soa por-se na página do facebook: cidade - paris. se for, e hoje procurei, procurei, procurei, e não vi outra saída, é porque portugal é uma cabaninha pequenina - sim, é verdade, com uma sala de jantar com vista para o mar - mas é uma cabaninha pequenina em que as crianças, o futuro, não tem muito por onde crescer. estou a ver a minha licenciatura a aproximar-se do fim, descobri que não posso ser o que queria ser ontem - agora tenho responsabilidades, não posso ficar semanas fora a passear estrangeiros por portugal - e há a sombra da possibilidade de não conseguir passar no exame final perante o turismo de portugal para ser guia. não sei se teria estofo para passá-lo, e menos ainda se teria estofo para lidar com o meu falhanço se não passasse. e depois, que faço? vou sentar-me numa agência de viagens, ganhar 800€ por mês quando tinha contado com 1000 por semana e juntar dinheiro até aos trinta anos para ter o meu chão, o meu tecto, o meu gira-discos? às vezes apetece-me gritar-lhe: devias sentar-te aqui a planear o futuro comigo. depois lembro-me que não temos futuro juntos, que estou sozinha, que os meus amigos, e que bem os amo, precisam de começar a trabalhar na obra que serão os seus próprios futuros e que uma pessoa - ou bem que tem outra a seu lado que é inseparável e para sempre - ou tem que fazer por se bastar a si sozinha. é como se eu já estivesse com um pé no meu ideal do "amor e uma cabana", só que o amor está ausente e eu estou cansada de o esperar dentro da cabana suja, fria, com vista para um mar que só me traz melancolia, tristeza, saudade e frustrações. de que adianta ficar eternamente sentada num banco, à janela desta cabana, à espera que os meus desejos ganhem forma? que as mãos dele venham ter com as minhas? que me diga: há um plano c, que é este e é nosso e vai funcionar porque eu acredito, eu vou lutar, tu acreditas e tu também vais lutar por ele? e há o tempo a escorrer entre os meus dedos, em uma semana somo um ano aos vinte. se for para paris, em dois ou três anos sob o tecto da minha avó, sem despesas, junto o suficiente para dar uma boa entrada no meu tecto, aperfeiçoo o francês, traço um novo plano de vida, tiro um curso qualquer - quem sabe um mestrado se acabar realmente a faculdade - e volto não para a casa de partida, não para a casa 0, mas para a 2 ou a 3. e aí quem sabe, o meu futuro pudesse ser melhor. o futuro dos meus irmãos pudesse ser melhor. o nosso futuro, a existir um dia, pudesse ser melhor.
mas eu bem sei que a saudade iria matar-me aos poucos. ou irá. eu bem sei que a internet não dá abraços, nem reproduz bem vozes, bem sorrisos, nem covas no rosto, nem denuncia, se a pessoa o quiser esconder, o estado de espírito do outro. também não equivale a estar-se presente num aniversário, num momento difícil, num evento importante. não sei que face deva dar, em que parte de mim devo deixar a pedra cair. na parte que ama, e sofre, ou na parte que está disposta a lutar por uma vida melhor, e que, em grande parte, está certa. a verdade, é que eu desejava que também isto fossem dramas, filmes, paranóias minhas. a verdade, é que em breve terei que tomar uma decisão, e vou descobrir se sou uma romântica ou se o meu coração é mesmo de pedra, como também há quem diga, e é capaz de arriscar tanto pelo melhor que a sociedade consagrou. arriscar tanto, não. arriscar tudo, suspeito.
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