Enquanto o meu corpo se desfaz em água, enquanto sou comida por formigas sentada ao computador, enquanto sinto a cabeça zonza devido ao calor, recordo, em flash back, os acontecimentos do dia. Foi dos dias mais cansativos de estágio, foi um dia em que revi diversas vezes o mesmo casal de turistas, em que falei um espanhol manhoso, um italiano misturado com espanhol, um francês arrancado a ferros e um inglês que, cada vez, me parece mais a minha língua oficial (a dos pensamentos, ainda não a dos poemas). Vejo, enquanto o calor que esteve o dia todo colado à minha pele continua a pairar sobre mim e a testa sua, o cabelo só atrapalha, os franceses, adoráveis, decepcionados com a agência que lhes garantiu que haveria a tour na sua língua também. Vejo a guia, cansada, encalorada, desiludida com vinte anos de profissão, a dizer que já vai falar português, espanhol e inglês, que não é suposto falar francês. Chama-lhes umas quantas coisas, mas é sobretudo contra os brasileiros que se manifesta. Tenho este novo flash: de manhã, um trio de brasileiros estava no hall do Hotel e uma das senhoras tinha que ir buscar a mala. Foram os três recuperá-la, regressaram dez minutos depois e eu já a pingar de impaciência. Ao chegar cá abaixo, passamos a porta do hotel para o forno que tem sido a rua nestes últimos dias e dizem-me, com naturalidade: «não levamos o bilhete para o tour, mas não há problema, pois não?». O meu sorriso deve ser o mais sarcástico possível enquanto penso nos cenários que lhes podia pintar: «claro, quirida, ninguém leva o bilhete sabe? nós reconhecemos-vos a todos, confiamos em todos, mandamos entrar todos». Volta lá acima e, desta vez, digo que não posso esperar. Vou a arrancar quando me recordo que me ESQUECI da reserva do Hotel, das QUATRO pessoas que estavam lá à MINHA espera. Sorrio, não foi nada «entrem, entrem», subam, subam. Ponho-me a rir com todos os dentes e vou dedilhando o meu espanhol miserável. Corro sobre os saltos, arrisco-me a morrer a atravessar estradas, penso: eles devem estar fartos de esperar no autocarro. Comentamos o tempo, estão 35º na França, é muito para eles. Está a mesma temperatura no Brasil, mas mais húmido, ao menos respira-se lá. Os britânicos (que têm andado meio desaparecidos) parecem tomates, andam vermelhíssimos. Depois volto a estar ao lado da Guia, eu falo inglês, espanhol, português, e ela traduz para francês, para os meus franceses queridos, são tão fofinhos, tão calmos no meio deste stress todo. A dada altura entra um grupo de 18, DEZOITO, DIECIOTTO italianos, crianças a gritar «NONA!!!» para a avó, que parece uma portuguesa comum, uma mulher loira, espantosamente alta, com olhos espantosamente verdes, espantosamente pintados de preto, senta-se e pomo-nos a conversar. Lá em cima, os italianos fazem a festa, parece uma praça, não oiço a minha própria voz ao telefone. Oiço-os a gritar que eu devia falar italiano também ao microfone em vez de seguir as três línguas ao microfone e dar explicações “particulares” para eles. Viro-me para trás e explico que a companhia não permite, se não os “alemães” também queriam. Só depois percebo o que disse: estou a juntar italianos e alemães na mesma frase e a II Guerra foi só há setenta anos. Eles não associam, continuam a gritar em italiano. São de Roma, aconselham-me a ir lá. Depois, descem do autocarro, são toda família, DEZOITO, são toda família. Querem saber porque é que compraram o bilhete ao final da tarde anterior, o bilhete diz “48 horas”, e a data finda esta tarde. Obrigam o “patrão” a obrigar-me a rescrever as datas nos bilhetes de todos, enquanto riem, batem palmas, congratulam o porta-voz que transmitiu o descontentamento: BRAVO! BRAVO!
Ponho-me a rir com eles, parecem meio bruscos mas dizem-me adeus com sinceridade, sorriem, gritam, até as crianças: «i bambini non pagano, giusto?», «non, non pagano», estou a sorrir para um garotinho italiano branquíssimo, deve ser o dono do boné que depois ficou no autocarro.
Vejo uma rapariguinha espanhola a quem o pai, ao meu lado no autocarro, diz: «te quiero muchíssimo, hasta la muerte», emociono-me e quero dizer-lhes como aquilo soa bem, como soa poético, mas não posso, não sei falar espanhol correctamente, abstenho-me. Depois os franceses dizem que eu falo muito bem. Depois o mesmo casal, english-speaking, dizem-me boa tarde pela milésima vez no mesmo dia, no final dão-me um euro, não quero aceitar mas dizem que é típico do país deles agradecer. Para terminar, estamos a chegar ao terminal e tenho um casal de indianos sentados atrás de mim. Falam calmamente, comentam o tempo, dizem que pareço cansada. Digo-lhes que estou feliz, que gosto do que faço. Dizem-me que tenha calma, que ainda me falta viver muito. São simpáticos, educados, penso que até aqueles últimos segundos em que o autocarro pára no terminal valem a pena. Meus queridos turistas, vou viajar em vocês até tantas outras bandas…
Ponho-me a rir com eles, parecem meio bruscos mas dizem-me adeus com sinceridade, sorriem, gritam, até as crianças: «i bambini non pagano, giusto?», «non, non pagano», estou a sorrir para um garotinho italiano branquíssimo, deve ser o dono do boné que depois ficou no autocarro.
Vejo uma rapariguinha espanhola a quem o pai, ao meu lado no autocarro, diz: «te quiero muchíssimo, hasta la muerte», emociono-me e quero dizer-lhes como aquilo soa bem, como soa poético, mas não posso, não sei falar espanhol correctamente, abstenho-me. Depois os franceses dizem que eu falo muito bem. Depois o mesmo casal, english-speaking, dizem-me boa tarde pela milésima vez no mesmo dia, no final dão-me um euro, não quero aceitar mas dizem que é típico do país deles agradecer. Para terminar, estamos a chegar ao terminal e tenho um casal de indianos sentados atrás de mim. Falam calmamente, comentam o tempo, dizem que pareço cansada. Digo-lhes que estou feliz, que gosto do que faço. Dizem-me que tenha calma, que ainda me falta viver muito. São simpáticos, educados, penso que até aqueles últimos segundos em que o autocarro pára no terminal valem a pena. Meus queridos turistas, vou viajar em vocês até tantas outras bandas…
6 Julho 2010
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