16 de nov. de 2010

orgulho

Hoje revi um amigo de infância, três anos mais novo que eu. Tenho uma fotografia em que ele tinha meses e eu o segurava ao colo desajeitadamente. Depois, brincávamos juntos no quintal dele ou no meu, ele tinha caracóis, era meio infantil, como a maioria dos homens é. Se eu queria o triciclo azul, ele também queria esse. Eu voava para a imitação plástica de um Ferrari e ele fazia birra porque afinal queria esse. Este meu amigo de infância usa agora brincos, tem o cabelo todo encarapinhado e chocou a minha avó quando se sentou no quintal da dele a fumar. «Fuma que nem um chibo», disse a minha avó. Por essa altura, já eu o cumprimentara, já lhe perguntara da sua vida, e fui deambulando de volta ao meu espaço. A luz do final de tarde, minha sempre eleita, envolve-me em melancolia. Lembrei-me do meu grupo de amigos de infância: eu, ele, o meu outro amigo, primeiro namorado e único até hoje, a prima desse amigo, de caracóis loiros, os seus olhos castanhos, verdes, os seus cabelos claros, a sua tez morena e as suas sardas. E os seus dedinhos gordinhos, eu debaixo de um chapéu de chuva, no inverno, a estender-lhe o presente que a minha avó escolhera para ele e a receber o que a mãe dele tinha escolhido para mim. Nós a ver filmes juntos, a jogar dominó, a brincar aos índios, aos maridos e às mulheres. Eu a ser sempre a mais corajosa, a mais desafiadora, a mais exigente. Eles caprichosos, amuados, e eu a puxar por eles. Hoje, apercebi-me, o universo contradisse o que era previsível. A minha família é a mais pobre, eu era a mais despistada, a maria rapaz, a que tinha tudo para ser péssima aluna, pessoa pior, desencaminhada, ovelha tresmalhada. E não é que eu não contenha em mim um pouco do que fui, eles também o contém neles. Mas mudámos, mudámos todos, e continuo a gostar dos meninos que brincaram comigo e dos homens que hoje são, com barba e responsabilidades e carro ou aspirações de tirar a carta. Mas... apercebi-me, eram eles que deviam estar a um exame de terminar o segundo ano de faculdade, a um ano de ter uma licenciatura nas mãos. As famílias deles tudo fariam prever isso, as exigências, as aspirações por aqueles filhos pareciam levá-los a eles, e não a mim, cujas decisões não são contestadas, cujas expectativas nunca foram grandes da parte dos meus, ao caminho que percorro. Mas são eles que precisam de chamamentos à razão, de refreamentos, de planos alternativos.

E serei eu a que percorre o caminho certo, só por percorrer o que a sociedade dá como preferível?

The End of Innocence - 影视原声 (Lust, Caution soundtrack)

17 Junho 2010

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