16 de nov. de 2010

750m

À noite tudo faz mais sentido. Eram seis da manhã quando meti o mp3 a tocar repetidamente a «the secret life of daydreams». Não foi propositado, aconteceu imaginar-me lá. Este Abril faz seis anos que estive no meu cantinho algarvio neste mesmo mês, com o prado verde, os cordeirinhos pequeninos, o vento como brisa, a temperatura amena, os dias a oscilar entre chuviscos e agradáveis tardes de sol em que podia usar manga curta. E as papoilas, vermelhas, a destacarem-se do verde daquela paisagem que constitui o meu melhor refúgio. Há pouco mais de uma semana passei lá, nesse troço de estrada, e vi a placa «Tenência». Todo o autocarro dormia, a paisagem ali embala, adormece, principalmente ao final da tarde, e vieram-me as lágrimas aos olhos. Já fui tão feliz ali... Os passarinhos, fora da minha janela, começam a chilrear: são 6h da madrugada. A luz começa a entrar-me pela janela. Deito-me de costas e finjo que o colchão é, ao invés, o manto verde da vossa terra, e que posso rebolar-me sem que ninguém me veja, como nunca ninguém me viu ou ouviu quando gritava nos montes, sozinha, ou quando dançava na eira. Finjo que a minha respiração, no lençol com que tapei o rosto, e que retorna à minha testa, quente, não é se não o calor do sol lá em cima, nessa manhã em que me estendi no campo. A natureza como minha melhor amiga, como parte de mim, como minha mãe, minha aliada, mão que me embala. Queria apanhar flores, ver as amendoeiras em flor, pôr músicas em repeat, descansada por saber que nem o sol vai fugir, nem ninguém vai perturbar-me ali, descansada por saber que aqueles minutos ninguém me rouba, estou longe demais para que me alcancem. Depois, as lágrimas escorrem quentes pelas faces e eu sei que são de felicidade, são de felicidade porque sei que é possível, porque julguei que não há saudade pior do que a de um corpo vivo por outro corpo vivo e, recentemente, descobri que não há saudade pior do que a de um lugar que nos está vedado, seja ele a infância ou uma terrinha no interior de Portugal. Depois, abro a mão e finjo que a tua se aperta na minha. Silêncio - «The secret life of daydreams», palavras não - Finjo que és tu e, assim sendo, com os teus dedos imaginários entrelaçados nos meus, adormeço.

 (foto by celia)
3 Abril 2010

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