16 de nov. de 2010

it's such a shame for us to part

Hoje lembrei-me de ti. Assim só por acaso, lembrei-me de ti. É engraçado como já escrevi dezenas de textos a partir das mesmas memórias. Abelhas, fontes, amendoeiras, o teu quintal, eu a dançar à chuva, tu e o teu amor aos animais, tu, tão suave, tão menos brusco que eu. Volto a meter o teu nome no google, há tempos que não oiço de ti, por isso fico sempre surpreendida quando o vejo lá, completo, a dizer que foste promovido. Eu sabia, chegaste à terceira década da tua vida. Não quero imaginar que, nos meus 30, estarei onde tu estás. Tens um bom emprego, muitos estudos e um carro engraçado. Mas a dada altura quiseste-me incluída e não pode ser. Se fosses como eu, ainda hoje estarias a lamentar isso. Ainda hoje pensarias que andaste tanto sem chegar a lado nenhum. É o que sentirei se, aos 30, me descobrir bem sucedida e irremediavelmente sozinha. Ouvi dizer, há meses, que o teu irmão teve um filho. Já és tio... e, tenho de rir, a tua gravata cor-de-alface no seu casamento, que a tua mãe bem me chamou e me mostrou as fotografias, e tu ali perto, descalço, só de calções, com sorrisos imperceptíveis e toda essa aura a emanar de ti. Eras bom, querido. Eras tão bom que, numa conversa, eu te venceria cem vezes. É a minha sina com os homens. E no dia que cheguei, da última vez que aí estive, tu, a fumar, na tua varanda, e eu à minha janela, em camisola de noite, cheia de emoções. Eu tinha 16 anos, e, se for a pensar bem, talvez, descubro-o agora, TALVEZ, tenha sido a melhor idade até hoje. Fui injusta, desculpa. Não gosto de injustiças, quis esquecer esta. Por isso, esqueci-me que estiveste lá. Que a tua chaminé, recortada contra aquele céu azul profundo coberto de estrelas, te tinha a ti na base a aqueceres-te quando lá estive, em Setembro. No nosso último Setembro. E tu, sempre com qualquer coisa calada que querias dizer. Não sei gostar sem ser assim, até hoje não gostei sem ser assim, sem fazer quadros da minha vida ao lado da pessoa. Para sempre, s-e-m-p-r-e, e nunca consegui apagar completamente nenhum desses quadros. Cada pessoa que gostei é como uma realidade diferente. Tu, foste o mais seguro de todos. Não me darias tristezas, sei bem disso. Não serias brusco, seria tudo à minha maneira. O lugar do casamento, a data, o nome dos filhos, se eram baptizados, se não, de que religião seriam e em que escola andariam. Em que cidade viveríamos? Seria eu a mandar e eu escolheria Vila Real de Santo António. Aquela noite em que soube que dentro de ti havia o mesmo que havia em mim... não voltei a experimentar essa felicidade. Terá sido culpa minha? Por uma vez na vida fiquei quieta, quando é meu hábito correr. Por uma vez não lutei, quando é meu hábito lutar. E perdi-te. Perdi-nos, perdi a pessoa que seria hoje, se o tivesse feito. Se, na vez que devia ter tentado, o tivesse feito. Hoje voltei a olhar para o teu quadro. De facto, é outro rosto que tenho pintado num quadro acima da minha cabeça. Quem me dera recordar-me na perfeição das tuas feições, faria um teu também, um dia faria um de todos. Não posso fazê-lo sem te ter lá. Foste muito, foste o único, aliás. O único que se sentou a meu lado quando chorava, o único que gostou de mim pelo que era, aos 12 anos, e depois nesse tempo todo, que pareceu uma eternidade, até aos 16, quando te vi pela última vez. É por ti que acredito que uma pessoa pode, perfeitamente, amar duas ou mais pessoas em simultaneo. É por ti que acho que é um desperdício que se ame apenas uma pessoa, tendo em conta todas as potencialidades da outra. É que sei que precisei tanto de ser desafiada, estes anos todos, precisei tanto de ganhar os conflitos, as conversas, de provar que tenho razão, que por uma vez quero o oposto. Quero alguém que não me desafie, alguém que não entre em lutas. Assim, pararei de lutar e as lutas deixarão de acontecer. Foste o único que sorriu ao ver-me a dançar à chuva, meu querido, há tantos anos atrás eu já era o que sou hoje...

Da próxima vez que eu ganhar coragem,
está em casa,
atende .
Vou a Castro Marim para o mês que vem, prometo que lembrar-me-ei de ti mais do que uma vez por semana, nessa altura. Prometo que não te esqueço,
Mas da próxima vez que eu ganhar coragem,
atende .
E, por favor,
deixa-te estar no mesmo lugar .
 (foto by celia)
2 Março 2010

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