16 de nov. de 2010

ensaio sobre ser-se

Há dias em que gostava simplesmente de poder mudar o tempo. Não as coisas, não voltaria a trás para mudá-las, para as facilitar, para as adequar às minhas vontades. Simplesmente, enquanto o pôr-do-sol se reflecte o ecrã do meu computador e, nostálgica, vejo um avião projectar-se nele, avançando devagar, minúsculo, contendo milhões de anos de evolução das espécies e avanços tecnológicos impensáveis até há um século atrás, gostava simplesmente de parar o tempo. É, é isso. Gostava que parasse, aqui e a agora, para que não fosse obrigada a mover-me do meu lugar e pudesse, a partir daqui, adaptar-me às mudanças do mundo, das pessoas, das nuvens que passam sobre as nossas cabeças. Os desejos, como soluções, significam demasiado para mim. Por isso, também é relevante o não querer ser outra pessoa ou estar noutro lugar neste instante. Não numa praia de Miami, não numa selva no Camboja. Simplesmente, queria que estes instantes, que são os meus favoritos do dia, como que encenados diariamente à mesma hora, agora que a mesma mudou, agora que o sol parece pertencer a um teatro de beleza e quietude ao final da tarde, parassem até por a cabeça no lugar. Até me aperceber do meu próprio desencanto com as acções alheias e, pior, com as minhas próprias. Até me convencer que posso mudar, mesmo sabendo que não o farei. Até decidir que, como todos os outros, vou deixar de querer tanto para mim e recuar mais a favor dos outros, mesmo com plena consciência de que não o farei. Ao menos não me minto, nem minto. Engano-me, ao invés, arrependo-me, ou não, dos erros, o que não tem significado algum se não os corrijo, se é tarde demais para os remediar, se sei que os repetirei. O que sou está, aos poucos e poucos, a deixar de importar tanto para mim, e a repousar noutros espaços, noutras pessoas, onde é mais importante que eu seja o que sou, do que perante mim mesma. Não, não são encenações, pelo contrário. Fosse eu um pouco mais contida, um pouco mais paciente, e o que sou não transbordaria. Lamento as incoerências que escapam ao que sou, mas, ainda assim, é quem sou. E, para dizer a verdade, sou bem apaixonada por mim mesma, da mesma forma que me apaixono mais consoante o grau de complexidade do outro. Não sei ser fácil, não sei encantar-me pelo fácil ou pelo previsto ou comum. Gosto do invulgar, gosto do espontâneo, não gosto do momentâneo, isso não. Gosto de fugir às regras, ainda que por uma décima de milímetro, só para me sentir um bocadinho mais livre dentro dos sistemas, dentro destes espaços a que a sociedade nos confinou. Sobretudo, gosto de poder explicar-me. Geralmente, tenho forças para isso, ânsia disso, necessidade disso. Hoje, a pesar da necessidade, o sol está a cair e eu estou nostálgica, já o disse. O sol está a cair e eu já estive aqui antes: neste lugar, quem sabe nesta situação. Se não na mesma situação, provavelmente com o mesmo estado de espírito. Tomo uma decisão: vou deixar de pedir desculpas, porque não sou responsável pelas minhas paixões. Não sou responsável pelos meus erros, não a Célia que dá caras diariamente. A responsável por isso é o meu lado livre - curiosamente o lado de que me envergonho mais, mas também o lado de que me orgulho mais, porque é mais feliz, menos dado a consequências, mais espontâneo, aproveita melhor. O meu lado racional tem de deixar de pedir desculpas pelas alegrias do outro, que vão causando dissabores. No fundo, só quero ser feliz, mas compliquei tanto este romance que ando a escrever... compliquei-o tanto que não sei como lhe dar fim. Nas páginas finais há imensos enredos a rematar, demasiados episódios a explicar. Há personagens a não querer ouvi-las, a fazer suposições como as personagens centrais também vão fazendo. Às tantas cedo: como na vida real, penso, vou deixar aquelas personagens a supor. Eu também suponho. Na vida real, toda a gente supõe, não há explicação para tudo, aliás, há para pouco. Gosto tanto de ouvir os passarinhos a cantar, é como se dessem calor à paisagem. Se eu fosse maior do que sou, se não padecesse de preguiça, não estaria aqui agora. Estaria na praia. Mas tenho demasiadas âncoras, demasiados medos, demasiadas limitações. E há quem diga: és louca. Não, louco é o meu interior, e eu prendo-o, apesar da loucura que transborda. Há quem diga: és livre. Não sou, ainda não conquistei isso, porque é a mim que devo conquistá-lo, não à idade, não a ninguém. Há até quem diga: deixa-te disso. Mas esta sou eu e estes caminhos, por entre mim, são os únicos para chegar seja onde for.

Dario Marianelli - The Living Sculptures of Pemberly

24 Abril 2010

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